Desde o
Concílio de Nicéia (realizado em 325,ad), presidido pelo Papa Silvestre I
(convocado e patrocinado pelo Imperador Constantino) é que as Igrejas
Cristãs vem reunindo elementos bíblicos, teológicos, filosóficos,
culturais e religiosos que, com o passar dos séculos, formularam os
atuais costumes e tradições relativas à Semana Santa. Porém, ainda hoje
há uma grande variedade de formas e ritos celebrativos que, dadas e
respeitadas as circunstâncias locais, comemoram a seu modo tais eventos
religiosos. Conforme a Tradição Cristã Anglicana as celebrações da
oitava da Semana Santa iniciam com a Procissão de Ramos e encerram com a
Celebração Eucarística da Páscoa. As paróquias oferecem belas e
intensas atividades litúrgicas a fim de que as pessoas que delas
participam vivam intensamente estes acontecimentos e possam se preparar
espiritualmente para comemorar a Páscoa do Senhor. Tal qual o
período da quaresma (que encerra ao entardecer da quinta-feira santa)
onde os cristãos tiveram a oportunidade de praticar a oração, o jejum, a
penitência e a caridade, nas diversas atividades religiosas da Semana
Santa lhes é dada a oportunidade para rememorar e vivenciar os
portentosos eventos da paixão, morte e ressurreição de Jesus, o Cristo
de Deus. Na ressurreição de Jesus a Fé Cristã afirma que a vida vence
a morte e os acontecimentos da Semana Santa visam a reconciliação das
pessoas com Deus, com o próximo e consigo mesmas vivendo e realizando os
sinais do Reino de Deus de justiça e paz, pois “um outro mundo é
possível”. Nos inícios do cristianismo estas celebrações limitavam-se
a relembrar a morte de Jesus na sexta-feira santa, a fazer pranto e
luto no sábado, e a festejar Sua gloriosa ressurreição no domingo de
madrugada. Algum tempo após e partindo dos trágicos acontecimentos
ocorridos com Jesus (hoje conhecida como Via Sacra) é que os cristãos
começaram a se reunir em Jerusalém para rememorar tais fatos, por ser
ali o “lugar santo” onde tudo aconteceu. Partindo das práticas
religiosas já conhecidas e realizadas nas diversas comunidades cristãs
da Palestina é que, entre os séculos III e V, estas diferentes tradições
litúrgicas foram se incorporando, se fundindo e se firmando ao ponto de
formarem o conjunto de eventos da Grande Semana. Aos poucos e no
transcorrer dos séculos estas celebrações foram se espalhando pelo mundo
cristão e, com as devidas influências das culturas e tradições locais
(inclusive religiosas), os acontecimentos da Semana Santa foram se
tornando o grande evento anual da religião cristã a ponto de se dizer
que: tal qual a importância do Domingo para a semana é a relevância da
Páscoa para o ano cristão!
Eventos litúrgicos na Semana Santa (anglicana):
Domingo de Ramos: é a festa litúrgica que lembra a
entrada de Jesus em Jerusalém. Foi um ato de tão grande importância para
os seguidores de Jesus que está registrado nos quatro Evangelhos (Mt
21; Mc 11; Lc 19 e Jo 12). Este ritual da comunidade cristã primitiva
era semelhante àqueles com que o povo recebia e comemorava a “entrada
triunfal” dos militares (imperadores, generais, soldados) e políticos
(imperadores, reis, governadores, etc) por ocasião da tomada e posse das
cidades, regiões, reinados e impérios que haviam sido vencidos pela
guerra. É costume ornamentar os templos com folhas de palmeiras (Jo
12,13) e oferecer ao povo folhas de palmas ou ramos de oliveiras para
serem usados (e agitados) no momento da proclamação do Santo Evangelho
(alusivo à festa). O povo participa responsivamente demonstrando sua
grande alegria e jubiloso louvor cantando, entre outros: Hosana ao Filho
de Davi; Glória a Deus e Aleluia! No caso de Jesus é importante
lembrar e acrescentar outros dois fatores religiosos relativos à grande
expressão que o “evento Jesus” provocou: - O primeiro se dá com a
ruidosa saudação: Bendito Aquele que vem em nome do Senhor! Hosana nas
maiores alturas! (Mc 11,9-10). Esta é a efusiva aclamação que o povo
judeu conhecia e que seria usada por ocasião da chegada do Messias,
Aquele Bendito que ia expulsar os invasores, (re)ocupar o trono do Rei
Davi e restaurar o reino de Israel (a teocracia dinástica sob o governo
dos “descendentes de Davi”); - O segundo se dá a partir do
cumprimento da profecia de Zacarias (9,9-10) que anunciava: eis que o
teu Rei vem a ti, manso e humilde, montado em um jumentinho, filho de
jumenta. Neste caso, longe de demonstrar fraqueza ou medo, Jesus cumpre
esta profecia e ainda confronta a arrogância e a altivez dos governantes
através de Sua postura simples e conduta humilde de Servo.
Quinta-feira Santa ou Endoenças: é um dia com
vários momentos litúrgico-pastorais importantes, mas principalmente é o
dia no qual a Igreja Anglicana celebra a instituição da Santa
Eucaristia. Na Tradição anglo-católica também fala-se no Tríduo Pascal
(composto pelos dias santos de quinta, sexta e sábado).
Na parte da manhã acontecem dois ritos sacramentais:
1) a Bênção dos Santos Óleos: não se pode precisar com exatidão a
origem da bênção conjunta destes três óleos, mas sabe-se que também eram
abençoados no Domino de Ramos e até no Sábado de Aleluia. Atualmente
este ritual é presidido pelo bispo diocesano (o sucessor dos apóstolos e
símbolo de unidade da Igreja local), e têm lugar no templo da Igreja
Catedral onde são consagrados: - óleo da Confirmação
(crisma): usado na ocasião em que o jovem (ou adulto) reafirma os votos
batismais que foram feitos em seu nome por seus pais e padrinhos,
tornando-se “responsável pela Fé que professa”. Também é usado nas
ordenações sacerdotais como sinal de consagração dos “ungidos/as de
Deus” para exercer o Sagrado Ministério; - óleo dos
Catecúmenos: usado nas celebrações do Santo Batismo (através do sinal da
cruz) significando a libertação do mal para que o iniciado na Fé Cristã
seja consagrado e esteja apto a receber o Espírito Santo que vai
guiá-lo no “novo nascimento em Cristo”, e - óleo dos
Enfermos: usado na administração da Bênção da Saúde (que tomou o lugar
da “extrema unção”) significando força e coragem através do exemplo da
paixão de Jesus Cristo, para que a pessoa ungida enfrente os sofrimentos
e, se for da vontade de Deus, prepare-se para atravessar o “vale da
sombra da morte” (Sl 23) e desfrutar da Vida Eterna. 2) a
Renovação dos Votos Sacerdotais: ocasião em que todo o clero
(dia-conos/as e presbíteros/as), juntamente com o bispo/a, reafirmam
seus votos proferidos por ocasião de suas respectivas consagrações
ministeriais. É o momento sacramental do clero manifestar sua unidade
diocesana junto ao bispo/a local e, todos juntos, reafirmarem sua união,
consagração e fidelidade ao Ministério Sacerdotal de Jesus, o Sumo
Sacerdote da Igreja.
Na parte da noite acontecem outros dois importantes ritos litúrgicos:
1) a Instituição da Santa Eucaristia: a palavra eucaristia vem
do grego e significa “ação de graças”. São Jerônimo (340-420) ao
traduzir as Santas Escrituras (judaico-cristãs) do grego para o latim
(conhecida como Vulgata) traduziu a palavra mysterion como sacramentum.
Eucaristia é o sacramento cristão por excelência, ou seja, nela e por
ela a Igreja de Jesus Cristo se manifesta ao mundo como portadora do
“sacramento de Deus”. A Igreja é um sacramento para o mundo assim como
Cristo é o sacramento para a Igreja (entendida como Povo de Deus, pois a
palavra igreja vem do grego ekklesia e significa assembléia,
congregação, comunidade). Nesta noite Jesus celebra com seus amigos
(o Grupo dos Doze, Lc 22,14-18) a Ceia Pascal (Sêder do Pessach, Êx 12),
entretanto, Ele não só rememora a “saída do Egito” (da escravidão para a
terra prometida), mas “institui o sacramento de Sua presença memorial”.
Através dos elementos do pão e do vinho (Mt 26,26-30) Jesus materializa
e simboliza Sua Presença Real ao dizer: “isto é o meu corpo; ... isto é
o meu sangue” (Lc 22,19-20). Os seus seguidores repetem este gesto
celebrativo cumprindo e obedecendo o Seu mandamento: “fazei isto em
memória de Mim” (I Co 11,23-25). Entretanto, diferentemente do Maná
(no deserto) Jesus se auto-revela como o “verdadeiro pão que desce do
céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33), pois Ele é o “Pão da vida” (Jo 6,35),
isto é, o Pão Vivo. Também diferentemente do cordeiro pascal que era
sacrificado e cujo sangue era passado nas vergas das portas, Jesus é o
Cordeiro de Deus, cujo sacrifício “perfeito, completo e suficiente” paga
o preço do pecado e resgata os pecadores.
2) o Lava-pés: conforme relata o Evangelho de S. João (13,1-17)
este gesto foi realizado por Jesus no contexto da refeição da Ceia
Pascal. Tratando-se da Última Ceia (de Jesus) Sua atitude deixou os
apóstolos perplexos e desconcer-tados, pois eles O tinham na conta de
“Mestre e Senhor” e por isso era-lhes inconcebível que Ele praticasse
tal ato de humilhação (pois este era um dos serviços e obrigações
exclusivas dos escravos). Jesus assim procedeu para dar exemplo na
intenção de que todos os seus seguidores/as assim também procedam uns
para com os outros/as. Por isso, nesta celebração o bispo/a e os
reverendos/as lavam os pés do povo e, dentro das possibilidades locais,
também as pessoas podem (e devem) lavar os pés umas das outras. Quem
pratica este gesto imita Jesus e coloca em prática a igualdade, a
submissão, a humildade e o amor fraternal que deve ser teste-munhado
entre os crentes e levado ao mundo como sinal diaconal da comu-nidade
eclesial que está a serviço do Reino de Deus.
Sexta-feira Santa ou Sexta-feira da Paixão: é o
dia mais triste para os cristãos, pois trata-se de rememorar os atos
violentos (em palavras e atitudes) praticados por aqueles que esfolaram
Nosso Senhor e o conduziram à morte. Estando o templo paramentado com as
alfaias pretas, são realizados três rituais: – Ofício do Caminho da Cruz (Via Crucis ou Via Dolorosa):
esta celebração inicia às nove horas (Jo 19,14) e relembra a
peregrinação dolorosa de Jesus (após sua condenação pelo Sinédrio -
tribunal judeu, e ser entregue à crucificação por Pilatos) até o
Calvário (lugar da caveira, Mt 27,33). Este ofício é composto por
leituras bíblicas, reflexões, cânticos de lamento, meditações
silenciosas e orações totalizando as quatorze estações que, por sua vez,
relembram alguns dos mais difíceis momentos de Jesus carregando Sua
cruz em direção ao local onde seria crucificado; – Culto de Trevas:
relembra o tempo que Jesus permaneceu crucificado (três horas). Por
isso, começa a partir do meio-dia (momento em que Jesus foi pregado e
erguido na cruz) e encerra às três horas da tarde (quando Ele morreu)
conforme nos relata o Evangelho de S. Marcos 15,33. O nome deste culto
procede do relato bíblico ao afirmar que “houve trevas sobre toda a
terra”. Durante estas três horas acontecem leituras bíblicas,
orações dos salmos, hinos de lamento e momentos de orações silenciosas
entremeadas pelas medita-ções das Sete Palavras da Cruz (aquelas que os
Evangelhos relatam que Jesus proferiu enquanto permanecia pendurado no
madeiro). É comum recolher-se uma oferta que é enviada para a Diocese
Anglicana de Jerusalém (simbolizando a unidade, o carinho e o zelo para
com a Igreja-Mãe). - Recolhimento dos paramentos do templo (espoliação do altar):
às quinze horas (momento em que Jesus expirou, Lc 23,46), encerra-se o
Culto de Trevas e as mulheres tem a função de recolher todos os
paramentos litúrgicos (pretos) que ornamentam o templo: alfaias,
antepêndios, flores, etc. Este gesto simboliza a dor e a tristeza que
invade os corações e as mentes dos cristãos no momento da morte de Jesus
e relembra que as mulheres se prepararam para embalsamar o corpo do
Senhor (Lc 23, 55-56), tarefa que iriam desempenhar na madrugada do
primeiro dia da semana. No encerramento destas celebrações o clérigo
coloca seu típete (ou estola preta) sobre o altar ou (havendo elementos
consagrados no tabernáculo - pão e vinho, estes também são retirados
sendo apagada a lâmpada votiva) sobre o sacrário. Concluindo a cerimônia
todos se retiram do templo em silenciosa procissão.
Neste dia também se tornou comum entre os anglicanos/as o ato de
observar o jejum ou comer peixe, pois a palavra ICHTUS significa peixe
em grego, cujas iniciais coincidem com a expressão: IESOUS CHRISTOS
THEOU UIOS SOTER (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador!)
Sábado Santo ou Sábado de Aleluia: durante o dia
não há programação litúrgica porque é costume guardar-se o luto pela
“morte de Jesus”. Também é o dia tido tradicionalmente como o tempo em
que Nosso Senhor “desceu ao Hades” (conforme o Credo Apostólico: região
dos infernos ou mansão dos mortos). Somente após o pôr-do-sol é que
os templos são abertos para a celebração de uma Vigília Pascal, porém,
sem a realização de sacramento algum. Esta vigília pode durar algumas
horas ou toda a noite, e durante este tempo pode ser realizada a Litania
(ou Súplica Geral), a Liturgia das Horas, além de leituras bíblicas,
orações, cânticos salmódicos (entre outros Benedictus, Magnificat e o
Nunc Dimittis), momentos de silêncio e permanente atenção (pois este é o
estado primordial de quem se propõe a vigiar seguindo as advertências
de Jesus várias vezes repetidas nos Evangelhos: Vigiai e orai!). Nas
paróquias de tradição anglo-católica acontece (durante a vigília) a
cerimônia do Fogo Novo cujo contexto maior é a própria celebração
eucarística. Nesta ocasião é reintroduzido no templo o Círio Pascal*
simbolizando a Luz de Cristo que ilumina e guia os cristãos, a Igreja e o
mundo no caminho da realização dos sinais de implementação do Reino de
Deus aqui e agora. * Vela grande onde estão incrustradas as letras gregas Alfa e Ômega, as cinco chagas de Cristo e a data do ano cristão atual e que foi retirado na quarta-feira de cinzas. Em
algumas ocasiões, havendo candidatos/as, também se celebra o Santo
Batismo e/ou a Confirmação, pois é uma ocasião apropriada para o
recebimento de novos cristãos que passam a ser membros do Corpo de
Cristo.
Domingo da Páscoa ou Celebração da Ressurreição do Senhor: é a festa magna do cristianismo através da qual a Igreja anuncia ao mundo que a morte foi vencida e que CRISTO RESSUSCITOU !
O costume anglicano de celebrar a Eucaristia no romper do dia (às 6 h)
deve-se ao fato de ser a hora presumida em que as mulheres foram ao
túmulo para embalsamar o corpo de Jesus (Lc 24,1-3) mas o local estava
vazio. A celebração inicia com o templo às escuras e o reverendo/a
(ou alguém designado) começa a Procissão do Fogo Novo através da
introdução do Círio Pascal (durante a qual canta-se responsivamente: - A
Luz de Cristo ! – Graças a Deus!). Chegando ao altar ascendem-se as
luzes e o povo rompe o “silêncio das trevas” cantando entusiasticamente o
Glória in Excelsis. Enquanto isso as pessoas que levaram ou receberam
velas (à entrada do templo) dirigem-se ao Círio para, a partir da Luz de
Cristo, também ascenderam as suas velas que simbolizam a iluminação de
sua vida e, através dela, a iluminação do mundo ao seu redor. Cabe às
mulheres a tarefa de re-ornamentação do templo, normal-mente embelezado
com alfaias, velas e belos arranjos de flores (especialmente lírios)
tudo em cor branca, simbolizando a luz da vida que dissipa a escuridão
da morte. Além disso, elas também preparam o “pão ázimo” (feito de
farinha e água, assado no forno) que será utilizado na Eucaristia. Ao final do culto as irmãs e os irmãos trocam efusivas saudações, dizendo: -Cristo ressuscitou ! E a resposta: Verdadeiramente o Senhor ressuscitou ! E então ambos concluem dizendo jubilosos: Aleluia !
Após o culto as congregações costumam confraternizar (no salão
paroquial) através de um “café pascal” (preparado com chocolate quente,
chantili, salga-dinhos, doces e muita alegria) em “ação de graças” pela
gloriosa ressurreição do Senhor Jesus, nosso Deus e nosso Irmão.
Fonte: Rev. Ramacés Hartwig, ost E-mail:
ramahart@yahoo.com.br – Fone: 8134.9530 - Pelotas (RS), Semana Santa/2009
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