Em seu livro sobre JK,
o jornalista Cláudio Bojunga torna públicas algumas confissões do
ex-presidente. Uma delas – a primeira pessoa em quem JK pensava ao
acordar era Carlos Lacerda
– dá bem a medida da preocupação que então lhe provocava o político que
é hoje o seu contraponto na memória política nacional. Simbolizando um
tipo de oposição marcada pela virulência dos ataques, verdadeira
metralhadora giratória que mudava de alvo sem parar de atirar, Lacerda
conserva até hoje o epíteto de "demolidor de presidentes" e continua a
ser uma poderosa referência para políticos influentes no cenário
nacional. JK também ocupa um lugar de destaque nesse seleto clube de
políticos do passado que servem de modelo e inspiração para o presente.
Só que, ao contrário de Lacerda, figura na galeria dos "conciliadores",
daqueles que entendem a política como a arte de negociar.
No imaginário político brasileiro, essa dicotomia – o demolidor x
o conciliador – aparece intimamente relacionada a certas caraterísticas
particulares que marcariam os políticos das várias regiões brasileiras.
Carlos Lacerda, o "tribuno da capital", sempre teve como palco de
atuação a cidade do Rio de Janeiro – antigo Distrito Federal, depois
estado da Guanabara –, cujo campo político era marcado pela
nacionalização, a polarização e a radicalização do debate político. Daí
adviriam sua retórica inflamada e implacável, temida pelos rivais e
admirada pelos seguidores. Já JK representaria a essência do "político
mineiro", habilidoso, conciliador, articulador capaz de aparar arestas e
conviver com adversários que via como potenciais aliados. Não resta
dúvida de que a construção da mineiridade revelou-se eficaz ao projetar o mineiro como elemento indispensável no concerto político nacional.
A tensa conjuntura política da época seria um teste particularmente
difícil para o exercício das "qualidades do político mineiro" na
presidência da República. Seriam elas reforçadas ou abandonadas? Como
desconhecer o fato de que a eleição de JK havia sido contestada e sua
posse se teria devido sobretudo à decisiva atuação do ministro da
Guerra, general Lott?
Como enfrentar, logo no primeiro mês de governo – fevereiro de 1956 –,
um levante de oficiais da Aeronáutica no Norte do país? Como pôr em
prática um ambicioso projeto econômico – o Plano de Metas – sem uma
sólida base político-parlamentar e com a oposição feroz da "Banda de Música" da UDN, com Lacerda à frente?