terça-feira, 19 de abril de 2016

política como a arte de conciliar


Carlos Laceda fala ao microfoneEm seu livro sobre JK, o jornalista Cláudio Bojunga torna públicas algumas confissões do ex-presidente. Uma delas – a primeira pessoa em quem JK pensava ao acordar era Carlos Lacerda – dá bem a medida da preocupação que então lhe provocava o político que é hoje o seu contraponto na memória política nacional. Simbolizando um tipo de oposição marcada pela virulência dos ataques, verdadeira metralhadora giratória que mudava de alvo sem parar de atirar, Lacerda conserva até hoje o epíteto de "demolidor de presidentes" e continua a ser uma poderosa referência para políticos influentes no cenário nacional. JK também ocupa um lugar de destaque nesse seleto clube de políticos do passado que servem de modelo e inspiração para o presente. Só que, ao contrário de Lacerda, figura na galeria dos "conciliadores", daqueles que entendem a política como a arte de negociar.

No imaginário político brasileiro, essa dicotomia – o demolidor x o conciliador – aparece intimamente relacionada a certas caraterísticas particulares que marcariam os políticos das várias regiões brasileiras. Carlos Lacerda, o "tribuno da capital", sempre teve como palco de atuação a cidade do Rio de Janeiro – antigo Distrito Federal, depois estado da Guanabara –, cujo campo político era marcado pela nacionalização, a polarização e a radicalização do debate político. Daí adviriam sua retórica inflamada e implacável, temida pelos rivais e admirada pelos seguidores. Já JK representaria a essência do "político mineiro", habilidoso, conciliador, articulador capaz de aparar arestas e conviver com adversários que via como potenciais aliados. Não resta dúvida de que a construção da mineiridade revelou-se eficaz ao projetar o mineiro como elemento indispensável no concerto político nacional.

A tensa conjuntura política da época seria um teste particularmente difícil para o exercício das "qualidades do político mineiro" na presidência da República. Seriam elas reforçadas ou abandonadas? Como desconhecer o fato de que a eleição de JK havia sido contestada e sua posse se teria devido sobretudo à decisiva atuação do ministro da Guerra, general Lott? Como enfrentar, logo no primeiro mês de governo – fevereiro de 1956 –, um levante de oficiais da Aeronáutica no Norte do país? Como pôr em prática um ambicioso projeto econômico – o Plano de Metas – sem uma sólida base político-parlamentar e com a oposição feroz da "Banda de Música" da UDN, com Lacerda à frente?