Dona Canô completa 105 anos no domingo, 16 de setembro (Foto: Egi Santana/G1)
Ela chega tímida, mas mostra humildade e simpatia contagiantes. Seu
nome de batismo é Claudionor Viana Teles Veloso, ou Dona Canô. Mãe de
Caetano Veloso, Maria Bethânia e mais cinco filhos, a matriarca da
família abriu as portas da casa número 179, em Santo Amaro da
Purificação, no recôncavo baiano, para entrevista ao G1 e
à TV Bahia. Antes de falar, ajeita o vestido branco e limpa os óculos,
roxos, recém-escolhidos. "Um rapaz veio aqui e trouxe os modelos, aí eu
gostei desses", inicia a conversa.
Entre os assuntos, fala dos
preparativos para os festejos de seus 105 anos,
que serão comemorados no domingo (16), e sobre a fé, a família e a
vida, com a sabedoria e bom humor de uma jovem senhora que mostra a
leveza de uma “menina”, apelido dado pelos próprios filhos.
Nascida em 1907, na cidade em que vive até hoje, Dona Canô costuma
dizer que a fama veio por conta de Caetano e Bethânia, seus filhos
famosos. “As pessoas me conhecem por causa de Caetano, já chegam aqui
perguntando por ele. Mas eu nem sei direito por onde ele anda, o que vou
responder?", diz. Mas um pouco mais de conversa faz entender que o
motivo da popularidade da matriarca vai além dos filhos ícones da música
popular brasileira. Conhecida na cidade pelo ativismo, a casa de Dona
Canô guarda memórias de políticos e autoridades em fotografias
espalhadas pelas paredes. “Ela costuma pedir aos políticos que melhorem a
cidade e já conseguiu muita coisa”, revela o filho Rodrigo Veloso.
Lembranças
Sobre a história construída nos 105 anos de vida em
Santo Amaro,
Dona Canô recorda de quando passeava com os amigos nas usinas de açúcar
da cidade. Lembra também da época dos bondes. “A cidade cresceu, as
coisas ficaram longe, os bondes eram importantes”, diz.
Ela lembra, também, de um dos melhores momentos de sua vida.“Foi quando
conheci Zeca. Ele era a única pessoa em que eu me perdia", diz. Zeca,
ou José Teles Veloso, foi o marido de dona Canô. Seu Zezinho, como
também era chamado, morreu em 1983, com 82 anos. “A gente se conheceu na
rua, lembro dele passando por mim, tudo foi diferente a partir dali”,
revela.
Quadros de seu "Zeca" e dona Canô estão
espalhados pela casa. (Foto: Egi Santana/G1)
Foi com seu Zezinho que ela construiu a família que hoje, além dos seis filhos vivos (
Nicinha morreu em 2011),
tem também seis netos e nove bisnetos. “Eu costumo dizer que minha
bisavó é a pessoa mais jovem da família. Me dá conselhos sobre tudo,
desde mudanças profissionais até nos relacionamentos”, conta o bisneto
Jorge Veloso, de 28 anos.
Devota de Nossa Senhora da Purificação, ela atribui à fé os 105 anos e a
disposição e lucidez com que enfrenta a vida. "A fé é tão importante
que eu tô viva, não é? Acho que cheguei até essa idade porque acredito
em Deus e porque sempre vivi com a minha família, com pessoas do meu
lado, com casa cheia. Acho que esse é o segredo”, conta. Ainda sobre
família, ela comemora o fato de todos estarem saudáveis e bem
empregados. “Todo mundo tem o seu dever, trabalham com o que gostam.
Isso pra mim é importante”.
Rotina
Dona Canô vive com o filho Rodrigo Veloso, uma enfermeira, que cuida e
monitora a sua saúde, além das empregadas e cozinheiras da casa com um
grande quintal e cheia de gatos, animais pelos quais ela tem um grande
apreço. A única reclamação que a idosa faz é com relação a não
permitirem que ela faça as tarefas da casa. "Não deixam mais que eu faça
as coisas, mas se mandarem eu posso preparar qualquer coisa na
cozinha", diz. Mas as opinões sobre os cardápios da casa ela não
dispensa: "Quando Caetano vem eu já mando deixar pronto o peixe que ele
gosta", lembra.
Fachada da casa de dona Canô.
(Foto: Egi Santana/G1)
Além disso, “ela faz questão de ler os jornais todos os dias logo no
começo da manhã”, pontua o filho Rodrigo. Durante a conversa, ela fala
dos últimos acontecimentos lidos nos impressos: “Li histórias com
adolescentes envolvidos com coisas ruins [...] esse mundo anda tão
maluco, não é?”. Além disso, costuma assistir diariamente a missas na
televisão. “Ela prefere as missas, hoje em dia, mas já foi uma grande
admiradora de novelas”, diz a filha Mabel Veloso.
Dona Canô também garante que para exercer a importância da cidadania,
este ano irá às urnas para votar. “Vou porque acho importante, mesmo, e
quero que meu candidato faça algo pela nossa Santo Amaro”, explica.
Aniversário
Sobre os 105 anos, ela revela: “Na verdade eu tô pouco me importando
com idade. A minha vida é essa até o dia que Deus permitir. Se ele
quiser que eu viva, eu vivo." Com um porém: "Tem que ser alegre, porque
senão, é pior”, sorri a simpática dona Claudionor.
Dona Canô mostrou em primeira mão os sapatos
que irá usar no aniversário. (Foto: Egi Santana/G1)
Da festa, programada para o domingo (16), com direito a bolo, guaraná,
caruru e uma tacinha de vinho do Porto, ela diz com bom humor: "Eu não
entendo porque esses malucos [os filhos] inventam isso de festa. Mas se
vai ter, é com roupa nova, sapato novo, com tudo novo", diz seguida de
uma gargalhada.
Rodrigo Veloso explica que, apesar de dizer que não gosta, a mãe se
mostra preocupada com os preparativos, todos os anos. "Este ano ela já
perguntou como vai ser, se a missa já está programada, quem vem. Ela diz
que não, mas todo ano fica ligada nos preparativos".
Para este ano, inclusive, a família já anunciou uma missa, programada
para as 10h na Igreja da Purificação, que será presidida pelo padre
Reginaldo Manzotti. A filha Mabel Veloso conta que “a maior preocupação
dela é a missa, que tudo saia bem e que todos se sintam bem.”
Em seguida, será oferecido um café da manhã para familiares e amigos do
lado de fora da igreja. Já o tradicional caruru, este ano deve ser mais
íntimo, apenas para familiares.
"Nós estamos tentando restringir a festa dentro de casa por conta da
saúde dela, para poupá-la e para que ela possa circular com maior
liberdade, falar com os convidados", explica Rodrigo.
“Portas abertas”
Receptiva, antes de terminar a conversa ela diz que “todo mundo que
quiser me ver pode vir. A casa tem muitas pessoas ao redor, mas sempre
haverá de ter um espacinho para quem gosta de mim. As portas estão
abertas.”
Por conta dos cuidados médicos que necessita, Dona Canô não pode
conversar por muito tempo. Da entrevista ela se despede quando o
fisioterapeuta chega para sua sessão diária. "Ele vem para fazer a
ginástica comigo, todo dia eu faço ginástica", diz. Antes de ir, ela
deixa uma opinião, um conselho para quem vê nela uma inspiração de vida e
de longevidade: "Acho que vivo muito esse tempo todo porque vivi muito
com a família, todos juntos, acho que é por isso", diz. E um conselho,
para quem pensa em 'receitas' para a vida: "hoje as pessoas querem o
mundo. Mas não é assim. Você tem que fazer por onde, merecer o mundo
para ter as coisas", se despede Dona Claudionor Viana Teles.
Igreja de Nossa Senhora da Purificação, onde será celebrada a missa para a matriarca dos Veloso. (Foto: Egi Santana/G1)