“Não posso falar com autoridade no Brasil, mas às vezes não é preciso ser especialista para perceber que alguma coisa está errada em um país cuja maioria é negra e a representação é majoritariamente branca”, diz Angela Davis
A filósofa e ativista norte-americana Angela Davis (reprodução)
Marcos Sacramento, DCM
A ausência de negros em cargos políticos e de
destaque no Brasil chamou a atenção da filósofa e ativista
norte-americana Angela Davis. Nascida no Alabama, Davis foi professora
da Universidade da Califórnia e teve ligações com o grupo Panteras
Negras, sendo presa por causa disso no início dos anos 70. Uma das
principais lideranças femininas na luta pelo direito dos negros nos
Estados Unidos, foi homenageada em músicas de John & Yoko (“Angela”)
e dos Rolling Stones (“Sweet Black Angel”).
Ela foi um dos destaques do Festival Latinidades
2014: Griôs da Diáspora Negra, em Brasília. Na sua conferência, disse
que ficou impressionada com a pouca presença de negros e pardos na
política nacional. “Quantos senadores negros há no Brasil? Se olharmos
para o Senado não saberíamos que os negros constituem mais de 50% da
população brasileira”, questionou.
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“Não posso falar com autoridade no Brasil, mas às
vezes não é preciso ser especialista para perceber que alguma coisa está
errada em um país cuja maioria é negra e a representação é
majoritariamente branca”, disse.
Ela criticou, inclusive, a participação irrisória
dos negros nos meios de comunicação. “Sempre assisto TV no Brasil para
ver como o país se representa e a TV brasileira nunca permitiu que se
pensasse que a população é majoritariamente negra”.
O comentário da intelectual e a matéria do The
Guardian que destacou a ausência de negros nos estádios durante os jogos
da última Copa ilustram o racismo estruturado na sociedade brasileira.
Em um país onde 50,7% da população é negra ou
parda, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), menos de 10% dos parlamentares federais são
desses grupos, como mostra um estudo da Transparência Brasil.
Número que contribui para as estatísticas cruéis
contra os negros e explicita a necessidade de implantação de cotas para
reduzir as discrepâncias raciais. A probabilidade de um negro ou pardo
ser vítima de homicídio, por exemplo, é quase oito pontos percentuais a
mais do que a da população branca.
Angela Davis, contudo, não acha suficiente que os
negros ocupem o poder. É preciso que tomem atitudes para realmente pôr
fim ao preconceito. “Não significa somente trazer pessoas negras para a
esfera do poder, mas garantir que essas pessoas vão romper com os
espaços de poder e não simplesmente se encaixar nesses espaços”.
A crítica faz referência a Barack Obama, mas pode
ser aplicada ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim
Barbosa. Questionado por jornalistas sobre a possibilidade de
implantação de cotas no Judiciário, ele disse: “Não sei e estou de
saída. Es ist mir ganz egal (em alemão,’para mim tanto faz’). Não estou
nem aí”.
Segundo o Censo do Poder Judiciário divulgado mês
passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 1,4% dos magistrados
brasileiros se autodeclaram pretos. Percentual hediondo, pequeno demais
para “não estar nem