Revista Veja
O juiz Ricardo Augusto Soares Leite,
da 10ª Vara Federal de Brasília, num impressionante rasgo de autoritarismo e de
agressão à ordem legal, resolveu suspender, sem prazo para retomada, as
atividades do Instituto Lula. É uma aberração que só atende ao alarido da
galera — no caso, de extrema direita e de extrema burrice. Pior: a decisão do
meritíssimo espanca sem piedade a língua portuguesa. As nossas elites, com
raras exceções, são semianalfabetas. “Ah, será que eu ‘lulei’?” No post abaixo
deste, respondo a essa impressionante indagação.
O Ministério Público havia
pedido ao juiz um mandado de busca e apreensão da sede do Instituto Lula para
apurar o possível envolvimento do ex-presidente no suposto plano de fuga de
Nestor Cerveró. Lembram-se dele? A acusação foi feita em delação pelo então
senador petista Delcídio do Amaral. Notem: até o Ministério Público Federal
achou que pedir que o instituto fechasse as portas até segunda ordem iria bem
além do razoável. E o juiz foi. Não ligou para a lei. Não ligou para a lógica.
Não ligou para o bom senso.
O
que fez o doutor? Acatou, sim, a coleta de documentos e decidiu, também,
interditar o instituto, o que é inaceitável. Atenção! Lula ainda não foi julgado, também nesse
caso, nem em primeira instância. E o que alegou o juiz?
Escreve
ele:
“Anoto que o artigo 319 do
Código de Processo Penal possibilita ao magistrado medidas cautelares diversas
da prisão, que, em síntese, buscam evitar qualquer increpação desnecessária,
mas também assegurar os objetivos cautelares, todos descritos pelo artigo 312
do Estatuto Processual Penal”.
Ousado,
o doutor disse decidir com base no Inciso VI do Artigo 319 do Código de
Processo Penal, que trata das medidas cautelares, que podem substituir a
prisão. E o que diz o dito-cujo? Isto:
“VI – suspensão do exercício de
função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando
houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;”
É
um descalabro! Claramente, a lei está se referindo a pessoas, não a entidades.
Ocorre que o juiz decidiu evidenciar sua douta sabedoria aqui:
“Como o próprio acusado [Lula]
mencionou que no local [Instituto Lula] se discutia vários assuntos, e há
vários depoimentos que imputam pelo menos a instigação de desvios de
comportamentos que violam a lei penal, a prudência e a cautela recomendam a
paralisação de suas atividades. Há indícios abundantes de que se tratava de
local com grande influência no cenário político do país, e que possíveis
tratativas ali entabuladas fizeram eclodir várias linhas investigativas”.
O
homem precisa buscar uma gramática para se entender com o emprego das vírgulas.
Também recomendo que estude as regras de concordância para a voz passiva
pronominal. O certo é “se DISCUTIAM vários assuntos…” Um cartaz em Curitiba,
afixado pela extrema direita, ironiza o português de Lula, que tem baixa
instrução formal. Pois é! O togado que está sendo saudado como herói por essa
turma não é, como se vê, um virtuoso em matéria de “Inculta & Bela”. E ele
teve instrução formal.
O
de menos
Sim, os erros de
gramática são o de menos. Se o juiz decidiu interditar o Instituto Lula porque
vê indícios de que se praticaram ilegalidades por lá, cumpre que perguntemos:
por que a Justiça não determinou a suspensão das atividades da Petrobras e de
todas as empreiteiras? Ou não havia, segundo as delações e as constatações,
nesses lugares, a prática corrente de crimes?
Há
mais: ele sabe que as medidas cautelares listadas no Artigo 319, que podem ser
aplicadas em lugar da prisão preventiva, prevista no Artigo 312, também
requerem a incidência de pelo menos um de quatro riscos: à ordem pública
(cometimento de novos crimes), à ordem econômica (idem para essa área), à
instrução criminal (preservação de provas e testemunhas) e ao cumprimento da
lei penal (risco de fuga).
Interditar
um instituto porque delatores disseram que mantiveram em seu interior conversas
nada republicanas com Lula caracteriza um claro abuso. Delação, como se sabe,
não é e não pode ser prova. Ademais, ainda que se tivessem cometido crimes no
passado, a lei exige que se evidencie que eles estão em curso agora.
Mas
isso tudo acaba perdendo relevância diante do absurdo maior: o Artigo 319
trata, reitero, de medidas cautelares contra pessoas, não contra entidades ou
empresas. Quer dizer que, se o IL fosse uma empresa, estaria agora de portas
fechadas como simples medida cautelar?
E o
doutíssimo achou que ainda não tinha ido longe o bastante. Por isso, largou lá:
“[o próprio Lula] mencionou que chamava pessoas para conversar no referido Instituto
e sobre finalidades diversas do escopo da entidade, alcunhando-o de ‘Posto
Ipiranga’ diante de inúmeros assuntos ali tratados, sem qualquer agendamento
das conversas ou transparência em suas atividades.”
“Não se sabe o teor do que ali
foi tratado, mas, por depoimentos testemunhais (mais especificamente o
depoimento de Leo Pinheiro prestado perante a Vara Federal em Curitiba), bem
como o de várias investigações em seu desfavor, há veementes indícios de
delitos criminais (incluindo o descrito nesta denúncia) que podem ter sido
iniciados ou instigados naquele local.”
Notaram?
Uma metáfora empregada pelo petista — o “Posto Ipiranga” é aquele que sempre
quebra seu galho — foi tomada como indício de “delitos criminais”, embora,
lembre o juiz, não se saiba “o teor do que ali foi tratado”. Numa ousadia sem
limites, apela a um depoimento de Léo Pinheiro a Sergio Moro para justificar a
sua arbitrariedade em processo distinto.
Atenção!
Ele poderia, aí sim, tecnicamente, impor tal medida cautelar a Lula. Mas à entidade?
Não faz sentido! É claro que essa decisão excrescente vai ser revista.
Pergunto-me se o juiz Soares Leite não tentou, ainda que por empréstimo, atuar
como figurante ao menos no dia do “Grande Espetáculo”.
Concluo
Sei bem o que
enfrentei com o petismo enquanto alguns heróis de meia-pataca de hoje viviam no
bem-bom, na vadiagem — alguns, à custa dos cofres públicos.
Mas
eu não me regozijei com o desmoronamento da farsa petista para que um juiz
decidisse, ao arrepio da lei, impedir a atividade de um instituto, ainda que do
PT.
Alguns
centro-esquerdistas e ditos “progressistas” estão acoelhados diante de
desmandos da Lava Jato. Entendo os motivos. Muitos deles gostariam de ver a
turma a fazer precisamente o que está fazendo, mas só contra seus adversários.
Não
sou vigarista. Não sou canalha. Não sou uma boca de aluguel. Não sou um
psicopata do antipetismo.
Eu
sou, aí sim, um entusiasta da ordem liberal e do estado democrático e de
direito. E estes não permitem que um juiz decida com base no alarido público,
ao arrepio da ordem legal.
SEMPRE
FOI ASSIM. É ASSIM. ASSIM SERÁ SEMPRE.
Você
pode ler a linha acima de frente para trás ou de trás para a frente. Faz
sentido na ida. Faz sentido na volta. Assim penso eu. O meu passado está no meu
presente e este no meu passado. É assim que um conservador deve entender, na
esfera privada, o futuro.