Ana Paula Silva, 25 anos, um exemplo de miséria absoluta
Das 2.291 famílias em situação de pobreza no
município de Nordestina, 950 delas vivem sem perspectiva de vida, em
extrema situação de miséria, retratando a dura e crua realidade desse
povo castigado pela seca.
Para
se deparar com a desigualdade social no estado, não é preciso ir muito
longe, porque um pedacinho da Somália parece estar encravado no
semiárido baiano. Os governos estadual e federal deixam transparecer que
estão mais preocupados com a construção de obras imponentes para a Copa
de 2014 do que cuidar do povo que está morrendo de fome e sede e, na
maioria das vezes, não tem um teto para morar com dignidade.
Com
uma população de 12.371 habitantes e uma área territorial de 468 km², o
município de Nordestina, onde predomina a agricultura familiar,
desponta também, de forma negativa na estatística de acessibilidade ao
campo de trabalho com 0.07% e habitação com 0.59%. Localizada no
polígono das secas, zona sisaleira, região de poucas chuvas e distante
240 km de Salvador, a comunidade tem a prefeitura como principal fonte
de emprego, o que requer uma atenção maior por parte dos governantes. A
economia local está restrita ao comércio, funcionários municipais,
aposentados e benefícios da Bolsa Família e BPC.
A Somália é aqui
Para
se conhecer a extrema pobreza não é necessário andar muito. A
comunidade de Palha, área quilombola da zona rural de Nordestina é um
exemplo, onde moram várias famílias esquecidas pela sociedade e pela
maioria dos programas sociais dos governos estadual e federal. Com o
marido desempregado e vivendo em condições subumanas numa pequenina casa
de taipa de dois cômodos, 4x 3 metros, com piso de areia batida, com
quatro filhos (um deficiente), a domestica Ana Paula Silva Reis, 25 anos
é um exemplo de miséria absoluta, tendo como única fonte de renda para
sobrevivência de todos R$ 166,00 que recebe da Bolsa Família.
Envergonhada
com a situação que vive e sem querer mostrar a casa por dentro, Ana
Paula disse que o dinheiro que recebe da Bolsa Família, mal dá para
comprar algumas coisas para comer e fraldas para o filho deficiente que
precisa estar na escola. “Olha moço, tem dia que temos o que comer, em
outros não. Farinha, só quando minha mãe recebe o dinheiro da
aposentadoria para nos dar um pouco. Tenho fé em Deus, que vai aparecer
um cristão, que vai olhar para nós e vai construir nosso sonho, que é
uma casa para que eu possa viver com um pouco de dignidade com meu
marido e os quatro filhos que não tem um lugar para dormir”, desabafa
emocionada Ana Paula, lembrando que vai ter que arrumar o que fazer para
poder levar comida para dentro de casa porque seu marido, que
trabalhava em um motor de sisal está sem fazer nada por causa da
paralisação das maquinas de desfibramento.
Menos
dramático, mas preocupante também, é a situação da aposentada Enedite
da Silva Reis, 58 anos, mãe de 12 filhos, que recebe R$ 500,00 por mês e
ainda tem que ajudar os filhos com a compra de farinha para alimentar
os netos. O lavrador Anfilófio Monteiro da Silva Reis, 60 anos, comentou
que trabalhava em um motor de sisal e chegava a ganhar até R$ 80,00 por
semana, e agora está desempregado porque as maquinas estão paradas por
causa do sol escaldante que fez o sisal murchar, deixando as folhas sem
condições de desfibrar, o que vem dificultando a oferta de trabalho na
região.
Pior seca
O
lavrador José Ferreira da Silva, disse que não via o açude municipal
secar ha 40 anos: “Pra mim essa é a pior seca que já vi em minha vida.
Se Deus não tiver pena de nós, seres humanos e dos animais, não vai
ficar nada vivo. Os mananciais estão secos, as pastagens esturricadas
pelo sol escaldante e os animais dizimados
pela fome e sede. Um carro-pipa de água custa entre R$ 70,00 e R$
150,00 – de acordo com o tamanho do tanque pipa e da distancia da
propriedade” relata.
O
criador José Paulo Guimarães Filho, 66 anos, Fazenda Queimada da
Farinha, disse que essa é a primeira vez que vê uma seca tão seria: “Até
a palma que é um cacto resistente ao sol, está morrendo no pasto e a
pindoba, que vem servindo de alimentação alternativa para o gado”. Sobre
a pindoba ele garante que pode ser uma bomba mortal para o animal que
comer sua folha em demasia e não conseguir digerir em tempo hábil porque
ela possui uma fibra bastante resistente e pode embuchar no estomago do
animal, levando-a a morte. “Mesmo sabedor desse risco que corremos, não
sei o que seria de nós se não existisse a pindobeira para darmos ao
gado nessa hora tão difícil que vivemos com a seca” disse.
A
secretária de Assistência Social, Maria das Graças Moura Lopes, garante
que se não chover dentro de mais alguns dias, as aulas no município
poderão ser suspensas. Ela declarou que a burocracia por parte do INCRA,
para a regularização de titulo de posse coletiva de terra, que
contempla 167 famílias de quilombolas moradoras
nas comunidades de: Bonsucesso, Caldeirão, Sangue, Fumaça, Grotas, Laje
das Cabras, Lagoa da Cruz, Salina, Lagoa do Boi, Palha, Poças e Tanque
Bonito, têm prejudicado essa gente que tem ficado sem receber alguns
benefícios da administração do prefeito Ito Araújo, por falta de
documentação das propriedades. Maria das Graças diz ainda que o
município conta com 10.133 pessoas cadastradas no CADUNICO, tem 100% de
cobertura do Cras, 884 crianças assistidas pelo Serviço de Convivência –
ex-PETI e 150 pelo Pro Jovem.