Primeiro
papa proveniente do continente americano, o argentino Jorge Mario
Bergoglio foi eleito para a surpresa geral na noite desta quarta-feira,
em uma decisão que mostra a vontade da Igreja Católica de se abrir mais
ao mundo.
Aos 76 anos, dois a menos que seu antecessor Bento XVI quando chegou
ao papado, ele escolheu o nome de Francisco, que será usado pela
primeira vez por um sumo pontífice, em homenagem ao humilde santo de
mesmo nome.
Primeiro papa da América Latina, continente com o maior número de
católicos do mundo, ele celebrará seu primeiro Angelus no domingo e será
oficialmente entronizado em uma grande missa na Basílica de São Pedro
na terça-feira, 19 de março. Na quinta de manhã, ele rezará para Nossa
Senhora em uma basílica de Roma, depois presidirá à tarde uma missa na
Capela Sistina com os 114 cardeais que o elegeram papa.
O papa Francisco -sem a necessidade de acrescentar o número ordinal
"primeiro" contanto que não haja Francisco II, indicou o Vaticano- é
também o primeiro papa não-europeu em mais de 1.200 anos. Ele é também o
primeiro jesuíta a ocupar o Trono de São Pedro.
No início, diante de uma multidão que gritava 'Viva il papa',
agitando bandeiras e bandeirolas, ele deu o tom. Vestido totalmente de
branco, fez um apelo à "fraternidade" da comunidade de mais de 1 bilhão
de católicos.
"Os cardeais foram me buscar no fim do mundo",brincou, antes de pedir
que a multidão seguisse "um caminho de amor" e "de evangelização".
Ele também pediu que rezassem por seu antecessor, Bento XVI, que
tomou a decisão histórica de renunciar em 28 de fevereiro, em razão de
sua idade avançada e de não ter mais forças.
Depois, telefonou para o "papa emérito", com quem se reunirá nos
próximos dias", indicou o porta-voz do Vaticano, padre Federico
Lombardi.
Fiel a sua reputação de grande simplicidade, pediu às dezenas de
milhares de pessoas presentes que orassem em silêncio: "Rezem por mim e
me deem vossa bênção antes que o arcebispo (de Roma que é também o Papa)
os abençoe". Ele em seguida concedeu o ritual da bênção em latim "urbi
et orbi" (à cidade e ao mundo).
Descendente de uma família modesta de imigrantes piemonteses,
Bergoglio concluiu seu discurso em um excelente italiano com um simples
"Boa noite e bom descanso".
Imediatamente, a conta do Twitter papal @pontifex foi relançada com uma primeira mensagem em latim: "Habemus Papam Francescum".
O porta-voz do Vaticano saudou "a coragem dos cardeais por terem
cruzado o oceano" e terem "estendido a perspectiva", ao se referir à
inesperada escolha dos 115 prelados reunidos desde terça-feira em
conclave secreto.
Arcebispo de Buenos Aires conhecido por sua firmeza doutrinária -ele
se opôs fortemente ao casamento gay em seu país-, o novo papa também fez
do combate à pobreza a grande prioridade de sua atividade pastoral. "No
plano social, ele é provavelmente muito aberto, mas conservador em
questões morais", explica o vaticanista Bruno Bartoloni.
Considerado um asceta, o cardeal Bergoglio foi eleito na quinta
rodada de votações, uma a mais do que o seu antecessor Joseph Ratzinger,
em 2005. Segundo um rumor nunca confirmado nem desmentido pelo
interessado, o novo papa havia ficado em segundo lugar há oito anos
atrás daquele que seria Bento XVI, mas havia dito que não queria ser
eleito.
Desta vez, em razão de sua idade, ele não estava na lista dos
favoritos. Depois de apenas dois dias, Bergoglio superou todos os
"papabili", principalmente o italiano Angelo Scola, o brasileiro Odilo
Scherer e o canadense Marc Ouellet.
Após o anúncio de sua eleição, houve uma longa ovação na Catedral de
Buenos Aires, onde estavam centenas de fiéis para uma missa.
Com esta eleição chega ao fim um período de quatro semanas inéditas e
movimentadas depois da renúncia de Bento XVI que pegou a todos de
surpresa no dia 11 de fevereiro. Foi a primeira renúncia em sete séculos
desde a do papa Celestino V.
Em 11 de fevereiro, Bento XVI, de 85 anos, no final de suas forças,
causou comoção ao anunciar sua "renúncia". Ao renunciar ao seu posto,
Bento XVI, que mora desde 28 de fevereiro em Castel Gandolfo, perto de
Roma, anunciou que manifestaria uma "obediência incondicional" ao novo
papa.
O papa Francisco está à frente de uma Igreja que enfrenta grandes
dificuldades: secularização massiva nos países de tradição cristã,
escândalos de pedofilia e de corrupção que voltam incessantemente do
passado, má governança e intrigas na Cúria, dificuldades de adaptação às
culturas locais, relações tensas com o Islã, contestações diversas.
Enquanto os preparativos para o conclave estavam sendo feitos, novas
revelações sobre o "Vatileaks" e um suposto "lobby gay" eram veiculadas
pela imprensa italiana e um cardeal escocês, Keith O'Brien, deixou seu
posto por gestos homossexuais "inapropriados".
Sobre o conclave também pesaram as acusações da SNAP, organização de
vítimas americanas de padres pedófilos, que acusavam cerca de doze
cardeais de inação e de indulgência com os padres pedófilos.
Mas, ao mesmo tempo, o número de católicos cresce rapidamente em
muitos países do sul. A Igreja está na linha de frente em vários
terrenos (saúde, pobreza, educação, etc...), e registra em suas fileiras
um florescimento de iniciativas e de novos movimentos.
Em meio às comemorações, o argentino Julio Cesar Attaremo, um notário
de Santa Fe, de 42 anos, disse: "Estamos muito felizes e orgulhosos,
não apenas pela Argentina, mas por toda a América Latina".
"Ele tem caráter, é muito humilde e é realmente alguém aberto ao povo", considerou Attaremo.
A chegada de Jorge Bergoglio à liderança da Igreja foi saudada em todo o mundo.
A presidente Dilma Rousseff afirmou em nota que "os fiéis aguardam a
vinda do papa Francisco ao Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da
Juventude", que será realizada em julho, no Rio de Janeiro.
A mandatária argentina, Cristina Kirchner, desejou a Bergoglio um
"trabalho pastoral frutífero". O presidente americano, Barack Obama,
enviou seus votos calorosos ao "primeiro papa das Américas", "campeão da
causa dos pobres". A União Europeia desejou que o novo papa possa
"promover a paz, a solidariedade e a dignidade humana".