domingo, 24 de abril de 2016

Sendo réu, Cunha poderia assumir Presidência?

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Image captionSe Temer assumir o comando do país, Cunha pode ocupar cargo inteirinamente
Conforme se torna cada vez mais iminente a possibilidade de o vice Michel Temer assumir a Presidência da República no lugar de Dilma Rousseff, cresce a discussão em torno do segundo nome da linha sucessória, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que desde março é réu em uma ação penal.
Se Temer assumir o comando do país, a Constituição prevê que o chefe da Câmara passará a ocupar interinamente seu cargo nos momentos em que o presidente estiver fora do país, em compromissos internacionais.
Outro artigo da Constituição, no entanto, pode servir para barrar essa possibilidade, acreditam alguns juristas. Se Dilma for afastada, a questão provavelmente será levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que terá que decidir se Cunha pode ou não assumir a Presidência em caso de ausência de Temer.
O artigo 86 da Carta Magna estabelece que, "admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade".
Já o parágrafo primeiro desse mesmo artigo acrescenta que o "Presidente ficará suspenso de suas funções nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal".
Em outras palavras, o presidente eleito fica afastado do cargo ao virar réu em ação criminal. O raciocínio seria o seguinte: se o presidente é afastado caso o STF o torne réu, como Cunha, que já está nessa posição, poderia assumir a Presidência do país?
"É o tipo do caso que a judicialização é benéfica. O Supremo teria que ser consultado para esclarecer quem ficaria no lugar do presidente em caso de viagem. Teria que decidir se a posição processual que ele (Cunha) tiver no momento da viagem o impede de assumir a Presidência", afirma José Gregori, ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso.
O próprio ministro do STF Gilmar Mendes aventou a possibilidade dessa discussão, ao ser questionado por jornalistas.
"O que eu disse foi questão da possibilidade de assumir ou não em substituição (a Temer). O que eu disse é que tinha que reparar como seria interpretado o artigo 86 (da Constituição) que diz que, no caso de presidente da República, recebida a denúncia é afastada, depois da licença da Câmara. Teria que saber se isso seria aplicado e como seria", disse, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
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Image captionSe Senado referendar decisão de iniciar processo de impeachment contra Dilma, ela será afastada e seu vice, Temer, assume Presidência
O constitucionalista Ives Gandra, por sua vez, acredita que os casos são totalmente diferentes e que o artigo 86 não se aplicaria ao presidente da Câmara. Isso porque, no caso de Cunha, a denúncia que foi aceita pelo STF não foi autorizada por dois terços da Câmara antes – e nem isso seria possível, pois o artigo refere-se ao presidente da República.
"Essa hipótese do parágrafo primeiro é vinculada ao caput (o texto inicial) do artigo. Então a origem dessa possibilidade é a admissão da acusação pela Câmara por dois terços. Essa tese (de que Cunha não poderia assumir a Presidência por ser réu) não passaria no Supremo", disse.
"O Cunha está sendo denunciado no STF. Mas enquanto ele não perdeu o mandato, ele exerce todas as suas funções em plenitude, inclusive aquela de poder substituir interinamente o presidente nas viagens que ele fizer", acrescentou.
Para Gregori, Temer, caso assuma "numa situação como essa", deve evitar deixar o país, a não ser que haja uma "necessidade imperativa".
Cunha foi tornado réu em uma ação que o acusa de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em uma operação irregular de venda de sondas para a Petrobras. Ele também foi denunciado pelo fato de ter ocultado milhões de dólares em contas na Suíça, mas o Supremo ainda não decidiu se também abrirá esse processo.
Independentemente de uma nova consulta ser realizada ao STF sobre a possibilidade de Cunha ser presidente interino do país, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já apresentou ao Supremo em dezembro um pedido de afastamento de Cunha do cargo de presidente da Câmara e de seu mandato de deputado. O argumento é que ele usa o cargo para atrapalhar investigações contra si na Justiça e no Conselho de Ética da Câmara.
Até agora, no entanto, o Supremo não tomou uma decisão. O relator do caso, ministro Teori Zavascki, disse na terça-feira a jornalistas que ainda não há previsão de quando levará a questão para análise dos colegas. "Estou examinando", afirmou.
Já o ministro Gilmar Mendes indicou, ao falar com a imprensa, que a demora poderia ter relação com falta de elementos suficientes para afastar Cunha no pedido apresentado pela PGR. "Teori até hoje não trouxe porque não vislumbrou os pressupostos para isso", disse.
Para o professor da faculdade de Direito da FGV-Rio Ivar Hartmann, já há motivos suficientes para o STF afastar Cunha da Presidência da Câmara. Ele critica o fato de até hoje a Corte não ter tomado uma decisão.