Quando, aos 15 anos, a assistente
administrativo Priscila Cecco Caserta descobriu que estava grávida, ela
não imaginava que a gravidez na adolescência não seria o único obstáculo
que teria de superar. Com muito enjoo no início e contrações a partir
do quarto mês, a gestação não chegou até as 40 semanas, tempo estimado
para o desenvolvimento do feto. A menina, batizada Lorrany, nasceu sete
semanas adiantada.
Mãe e filha fazem parte de uma estatística que afeta um em cada dez
bebês nascidos (cerca de três milhões) no mundo: a prematuridade.
Segundo dados do Ministério da Saúde, 12,4% (344 mil) dos pouco mais de
2,9 milhões de nascimentos no Brasil são prematuros. Ou seja, nascem 931
prematuros por dia, o equivalente a 40 por hora. O índice brasileiro é o
dobro de países europeus.
A gravidez na adolescência é apontada como um dos fatores de risco
para a prematuridade do nascimento, segundo Renato Passini, obstetra do
Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti, vinculado à
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordena uma pesquisa
que pretende mapear os 100 fatores de risco para prematuridade.
“Estamos tentando identificar os fatores isoladamente. Mas já sabemos
que hábitos e vícios da mãe, com tabagismo, estresse muito intenso na
gravidez, carga excessiva de trabalho, hemorragia no começo da gestação,
alguns tipos de corrimento, gravidez múltipla, intervalo curto entre
uma gestação e outra, e gravidez na adolescência são fatores de risco
para a prematuridade”, enumera Passini. Além disso, obesidade e pressão
arterial elevada também podem aumentar esse risco.
Segundo Priscila, além da pouca idade, o corpo dela “rejeita” o feto
logo após a formação dos órgãos. “O médico explicou que é como se meu
corpo não aceitasse a gravidez e rejeitasse o bebê após o quarto mês,
quando ele já está formado".
Oito anos depois, aos 23 anos, Priscila engravidou e enfrentou o
problema da prematuridade novamente. A pequena Pietra, que hoje tem um
ano, ficou apenas 31 semanas no útero materno. Nasceu de seis meses.
“Os enjoos voltaram e eu emagreci muito. No final da gestação, fiquei
15 dias internada. Fizeram um exame de sangue deu alteração. Fiz uma
ultrassom e o médico disse que não tinha líquido na minha bolsa e que
ele não conseguia ouvir os batimentos cardíacos da bebê. Fui direto para
sala de cirurgia”.
A menina nasceu em outubro do ano passado com 1.470 kg e, segundo a
mãe, nasceu tão saudável que chegou a ficar 42 horas sem auxílio para
respirar. Mas depois de um tempo, o estado de saúde regrediu e Pietra
começou a perder peso (ficou com 1.115 kg). Ficou na UTI por 22 dias.
“O triste é ter alta e sair com os braços vazios. Sair com a mala e
não com a criança. Neste tempo, sofria muito ao vê-la sendo picada por
agulhas. Um dia ela estava super bem e no outro, entubada. Os médicos
falavam que ela estava lutando pela vida. Ficava tanto no hospital que
aprendi termos médicos e a utlidade de cada aparelho e medicamento.
Virei ‘mãe-médica’”, relata Priscila.
Mortalidade
As filhas de Priscila superaram os riscos de mortalidade conferidos a
esse grupo de recém-nascido. De acordo com o Ministério da Saúde, a
taxa de mortalidade entre os prematuros foi de 2,5 para cada grupo de 1
mil em 2012. Esse número, porém, já foi pior. Em 2000, a taxa de
mortalidade entre os prematuros era de 4,1 para cada 1 mil.
De acordo com pesquisa publicada no começo deste mês no periódico The
Lancet, do Reino Unido, consequências da prematuridade são as
principais causa de mortes entre crianças de zero a cinco anos e chegam a
17,4% do total de nascidos no mundo. Em 2013, segundo a publicação, 1,1
milhão de crianças abaixo de cinco anos morreram por nascer antes do
tempo adequado.
Mas a morte não é o único problema relacionado a prematuridade que as
crianças podem desenvolver. Filomena Bernardes de Melo, pediatra
neonatologista do Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo, diz
que quanto menor o tempo de gestação, maior a chance de o bebê
desenvolver problemas decorrentes da imaturidade dos órgãos.
“O prematuro extremo, que são aqueles que têm menos de um 1 kg e
nasceram com até 28 semanas, fazem parte de um grupo muito especial. Não
só pelo risco de vida. Além do o pulmão ser imaturo, eles não têm
musculatura para respirar e não sabem mandar o comando para respiração. A
gente tem de ensiná-los a respirar. O rim também pode não funcionar
direito, o coração pode apresentar problema. A cabeça também é muito
delicada porque os vasos são frágeis e podem se romper”, enumera ela.
Além disso, diz, o bebê pode desenvolver problemas nos sistemas
cognitivos e motor, de visão e audição.
No caso dos prematuros, Filomena diz que, além dos exames realizados
no hospital, os familiares saem com uma lista de especialistas que devem
procurar para evitar complicações futuras. “Ser mãe de prematuro é sair
do hospital com a agenda cheia. Tem que procurar oftalmologista para
saber se não tem miopia, estrabismo, um neurologista porque só quando o
bebê começar a crescer é que vai mostrar se tem problemas de coordenação
motora, um fisioterapeuta, um fonoaudiólogo, um otorrino”.
Além disso, a médica recomenda “regime militar” para o período
pós-alta. “Nada de visitas por pelo menos quarenta dias a dois meses. O
bebê prematuro não pega uma gripe, pega pneumonia. A imunidade deles é
diferente, não têm defesas. O pulmão é absolutamente normal, mas está em
convalescência e demora até os dois anos para estar recuperado".
Priscila conta que que, após a alta, Pietra passou três meses
praticamente sem receber visitas. "Ela não podia ficar em lugar fechado
com mais de três pessoas. Amigos e parentes que vinham visitar, não
podiam entrar. Não deixava ninguém pegar ela no colo e, para amamentar,
eu colocava touca e máscara e me higinizava".
Os esforços, diz ela, foram recompensados por duas filhas saudáveis. A
mais velha teve bronquite e asma até os dois anos e a pequena tem
chiado no pulmão e crises de bronquite e asma. Mas nada que atrapalhe o
desenvolvimento das filhas.Diminuição do parto prematuro
Segundo o obstetra Passini, da hospital da Unicamp, 70% dos partos
prematuros são espontâneos e os outros 30% são induzidos pelo médico
quando há risco para mãe ou bebê. Ele coordena um estudo para tentar
justamente diminuir esse índice de prematuridade espontânea. A pesquisa
está sendo realizada em 20 instituições que cuidam de gravidez de alto
risco em três regiões do País.
“É importante que as mulheres tenham acesso ao pré-natal. No Brasil,
esse acesso é quase universalizado, mas os serviços precisam ser mais
qualificados estruturalmente. Precisa de uma rede de serviços voltada
para gravidez de alto risco que acompanhe a mulher identificada com
risco de prematuridade. Mesmo que o bebê nasça antes do tempo, é preciso
ter uma rede hospitalar com condições e UTI para cuidar dessa criança e
da mãe”.
De acordo com o Ministério da Saúde, há um esforço para atender às
gestantes. “O número de consultas de pré-natal no Sistema Único de Saúde
(SUS) foi ampliado em 93% entre 2003 e 2013. Somente em 2013, foram
realizadas 18,9 milhões de consultas pré-natais pelo SUS”, informa em
nota. Além disso, diz o ministério, o número de leitos em UTI neonatal
cresceu 23%, passando de 3.506 para 4.313 leitos entre 2010 e este ano.
Além de um rigoroso pré-natal, com ao menos seis consultas ao longo
da gestação, a neonatologista Filomena orienta que o cuidado deve
começar antes mesmo da fecundação do óvulo.
“A dica é que exista um planejamento da gravidez. Antes mesmo de
ficar grávida, tem de haver um acompanhamento médico para identificar
predisposição a riscos. Hoje, existem medicamentos que previnem a
má-formação, por exemplo. Com conhecimento, o médico pode prevenir os
problemas”, diz