sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Brasil tem 40 partos prematuros por hora, o dobro dos partos na Europa

 

 

Quando, aos 15 anos, a assistente administrativo Priscila Cecco Caserta descobriu que estava grávida, ela não imaginava que a gravidez na adolescência não seria o único obstáculo que teria de superar. Com muito enjoo no início e contrações a partir do quarto mês, a gestação não chegou até as 40 semanas, tempo estimado para o desenvolvimento do feto. A menina, batizada Lorrany, nasceu sete semanas adiantada.
Mãe e filha fazem parte de uma estatística que afeta um em cada dez bebês nascidos (cerca de três milhões) no mundo: a prematuridade. Segundo dados do Ministério da Saúde, 12,4% (344 mil) dos pouco mais de 2,9 milhões de nascimentos no Brasil são prematuros. Ou seja, nascem 931 prematuros por dia, o equivalente a 40 por hora. O índice brasileiro é o dobro de países europeus.
A gravidez na adolescência é apontada como um dos fatores de risco para a prematuridade do nascimento, segundo Renato Passini, obstetra do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti, vinculado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordena uma pesquisa que pretende mapear os 100 fatores de risco para prematuridade.
“Estamos tentando identificar os fatores isoladamente. Mas já sabemos que hábitos e vícios da mãe, com tabagismo, estresse muito intenso na gravidez, carga excessiva de trabalho, hemorragia no começo da gestação, alguns tipos de corrimento, gravidez múltipla, intervalo curto entre uma gestação e outra, e gravidez na adolescência são fatores de risco para a prematuridade”, enumera Passini. Além disso, obesidade e pressão arterial elevada também podem aumentar esse risco.
Segundo Priscila, além da pouca idade, o corpo dela “rejeita” o feto logo após a formação dos órgãos. “O médico explicou que é como se meu corpo não aceitasse a gravidez e rejeitasse o bebê após o quarto mês, quando ele já está formado". 
Oito anos depois, aos 23 anos, Priscila engravidou e enfrentou o problema da prematuridade novamente. A pequena Pietra, que hoje tem um ano, ficou apenas 31 semanas no útero materno. Nasceu de seis meses. 
“Os enjoos voltaram e eu emagreci muito. No final da gestação, fiquei 15 dias internada. Fizeram um exame de sangue deu alteração. Fiz uma ultrassom e o médico disse que não tinha líquido na minha bolsa e que ele não conseguia ouvir os batimentos cardíacos da bebê. Fui direto para sala de cirurgia”.
A menina nasceu em outubro do ano passado com 1.470 kg e, segundo a mãe, nasceu tão saudável que chegou a ficar 42 horas sem auxílio para respirar. Mas depois de um tempo, o estado de saúde regrediu e Pietra começou a perder peso (ficou com 1.115 kg). Ficou na UTI por 22 dias.
“O triste é ter alta e sair com os braços vazios. Sair com a mala e não com a criança. Neste tempo, sofria muito ao vê-la sendo picada por agulhas. Um dia ela estava super bem e no outro, entubada. Os médicos falavam que ela estava lutando pela vida. Ficava tanto no hospital que aprendi termos médicos e a utlidade de cada aparelho e medicamento. Virei ‘mãe-médica’”, relata Priscila. 
Mortalidade
As filhas de Priscila superaram os riscos de mortalidade conferidos a esse grupo de recém-nascido. De acordo com o Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade entre os prematuros foi de 2,5 para cada grupo de 1 mil em 2012. Esse número, porém, já foi pior. Em 2000, a taxa de mortalidade entre os prematuros era de 4,1 para cada 1 mil.
De acordo com pesquisa publicada no começo deste mês no periódico The Lancet, do Reino Unido, consequências da prematuridade são as principais causa de mortes entre crianças de zero a cinco anos e chegam a 17,4% do total de nascidos no mundo. Em 2013, segundo a publicação, 1,1 milhão de crianças abaixo de cinco anos morreram por nascer antes do tempo adequado.
Mas a morte não é o único problema relacionado a prematuridade que as crianças podem desenvolver. Filomena Bernardes de Melo, pediatra neonatologista do Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo, diz que quanto menor o tempo de gestação, maior a chance de o bebê desenvolver problemas decorrentes da imaturidade dos órgãos.
“O prematuro extremo, que são aqueles que têm menos de um 1 kg e nasceram com até 28 semanas, fazem parte de um grupo muito especial. Não só pelo risco de vida. Além do o pulmão ser imaturo, eles não têm musculatura para respirar e não sabem mandar o comando para respiração. A gente tem de ensiná-los a respirar. O rim também pode não funcionar direito, o coração pode apresentar problema. A cabeça também é muito delicada porque os vasos são frágeis e podem se romper”, enumera ela. Além disso, diz, o bebê pode desenvolver problemas nos sistemas cognitivos e motor, de visão e audição.
No caso dos prematuros, Filomena diz que, além dos exames realizados no hospital, os familiares saem com uma lista de especialistas que devem procurar para evitar complicações futuras. “Ser mãe de prematuro é sair do hospital com a agenda cheia. Tem que procurar oftalmologista para saber se não tem miopia, estrabismo, um neurologista porque só quando o bebê começar a crescer é que vai mostrar se tem problemas de coordenação motora, um fisioterapeuta, um fonoaudiólogo, um otorrino”.
Além disso, a médica recomenda “regime militar” para o período pós-alta. “Nada de visitas por pelo menos quarenta dias a dois meses. O bebê prematuro não pega uma gripe, pega pneumonia. A imunidade deles é diferente, não têm defesas. O pulmão é absolutamente normal, mas está em convalescência e demora até os dois anos para estar recuperado".
Priscila conta que que, após a alta, Pietra passou três meses praticamente sem receber visitas. "Ela não podia ficar em lugar fechado com mais de três pessoas. Amigos e parentes que vinham visitar, não podiam entrar. Não deixava ninguém pegar ela no colo e, para amamentar, eu colocava touca e máscara e me higinizava".
Os esforços, diz ela, foram recompensados por duas filhas saudáveis. A mais velha teve bronquite e asma até os dois anos e a pequena tem chiado no pulmão e crises de bronquite e asma. Mas nada que  atrapalhe o desenvolvimento das filhas.
Diminuição do parto prematuro
Segundo o obstetra Passini, da hospital da Unicamp, 70% dos partos prematuros são espontâneos e os outros 30% são induzidos pelo médico quando há risco para mãe ou bebê. Ele coordena um estudo para tentar justamente diminuir esse índice de prematuridade espontânea. A pesquisa está sendo realizada em 20 instituições que cuidam de gravidez de alto risco em três regiões do País.
“É importante que as mulheres tenham acesso ao pré-natal. No Brasil, esse acesso é quase universalizado, mas os serviços precisam ser mais qualificados estruturalmente. Precisa de uma rede de serviços voltada para gravidez de alto risco que acompanhe a mulher identificada com risco de prematuridade. Mesmo que o bebê nasça antes do tempo, é preciso ter uma rede hospitalar com condições e UTI para cuidar dessa criança e da mãe”.
De acordo com o Ministério da Saúde, há um esforço para atender às gestantes. “O número de consultas de pré-natal no Sistema Único de Saúde (SUS) foi ampliado em 93% entre 2003 e 2013. Somente em 2013, foram realizadas 18,9 milhões de consultas pré-natais pelo SUS”, informa em nota. Além disso, diz o ministério, o número de leitos em UTI neonatal cresceu 23%, passando de 3.506 para 4.313 leitos entre 2010 e este ano.
Além de um rigoroso pré-natal, com ao menos seis consultas ao longo da gestação, a neonatologista Filomena orienta que o cuidado deve começar antes mesmo da fecundação do óvulo.
“A dica é que exista um planejamento da gravidez. Antes mesmo de ficar grávida, tem de haver um acompanhamento médico para identificar predisposição a riscos. Hoje, existem medicamentos que previnem a má-formação, por exemplo. Com conhecimento, o médico pode prevenir os problemas”, diz