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Por Régis Antônio Coimbra*
Penso que foi um contra-golpe; que até pretendia ser uma medida pontual e
auto-limitada que se corrompeu; que foi civil e militar; que iniciou
ditabranda, complicou-se ditadura e terminou, novamente, ditabranda.
Só vivi com alguma clareza sobre o que estava vivendo na fase final de,
nova e radicalmente, ditabranda. Tinha entre 15 e 16 anos em 1984, no
então segundo grau (equivalente ao ensino médio atual), no
Colégio Parobé, quando saímos brandando "greve geral derruba o general" e
outras palavras de ordem abusadas. Curiosamente, a Brigada Militar
diligentemente nos escoltava. Nosso objetivo: entregar uma carta com
reivindicações para o secretário da educação. Fomos até ele, que nos
recebeu e disse que faria o possível... Não lembro se voltamos em
"formação" ou se dispersamos, mas eu saí profundamente confuso: como
assim "greve geral derruba o general" e tudo bem? Perdi o respeito ali
mesmo pela retórica da esquerda que, no caso, chutava um cachorro morto
tentando despertar alguma reação e o acusar de violento etc.
Felizmente não vivi a ditabranda do governo de Castelo Branco. Fico
pensando que destino teria eu fazendo o que faço hoje: ensinando sobre
Karl Marx. Desconfio que poderia me render um afastamento do serviço
público e que não adiantaria explicar que não sou marxista etc. No
governo seguinte a consequência poderia ser muito, muuuito pior, pela
mesma "traição".
Seja como for, acredito que com os valores que tenho hoje e com as
informações que provavelmente teria na época eu apoiaria, em 1968, o
contra-golpe. Com as informações que tenho hoje, no entanto, considero
que não havia necessidade de derrubar Jango, um estancieiro populista
brincando de comunista. No entanto, na época, e isso hoje é difícil de
aceitar ou entender, tanto os pró-comunismo achavam que poderiam
implantar mais ou menos sem traumas um socialismo mais ou menos "moreno"
(como diria Brizola), quanto os anti-comunistas (dentre os quais me incluiria)
temiam que pudesse ocorrer conforme uma série de sinalizações - o
problema de se levar a sério populistas, cujo discurso é feito para
agradar quem se pensa que pode ser agradado.
Jango fez uma série de apostas equivocadas que foram equivocadamente
compradas pela classe média. Sem querer ofender os militares, os
cachorros foram soltos e não voltaram para o canil. Inventaram-se novas
razões para que ficassem soltos e, no meu entender, esse funesto
resultado é a maior "contribuição" dos agora não raro celebrados como
heróis da resistência pela democracia - os guerrilheiros que, não
poucos, hoje ocupam importantes postos políticos, inclusive, no momento,
a presidência da República.
Entre a truculência dos militares que, reitero, provavelmente me prenderiam e arrebentariam por eu discutir Marx (mesmo
discordando, apontando falhas colossais, ainda que em parte decorrentes
das limitações dos economistas clássicos do qual era tributário) e a
defesa da democracia dos guerrilheiros, eu penso que a truculência dos
militares me faria menos mal ou, fazendo mal, teria menor probabilidade
de me "justiçar" ou contabilizar como "dano colateral" - ou, em hipótese
menos catastrófica, o estatismo moderado dos militares me empobreceria
menos do que me escravizaria o estatismo intermediário por tempo
indeterminado (enquanto o comunismo não fosse viável mundialmente... o que certamente envolveria toda minha vida e de várias gerações...