”Chocada com o que viu no presídio da
Paraíba, a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública, Valdênia
Paulino, critica militarização nos presídios e falta de percepção da
sociedade
No
último dia 28, a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública do Estado
da Paraíba, Valdênia Paulino, esteve detida por três horas na
Penitenciária Romeu Gonçalves de Abrantes, em João Pessoa. Como mostrou
ontem (7) o Congresso em Foco Valdênia e outros cinco representantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos foram presos por determinação do diretor do presídio
por terem registrado em fotos o cenário de degradação a que estão
submetidos os presidiários – nus, sem colchão, nem água, acomodados
entre fezes e urinas.
Integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos, a advogada diz
que não há como recuperar qualquer pessoa em um ambiente em que não há
respeito à dignidade humana. Na opinião dela, o poder público falha ao
deixar o controle do sistema prisional nas mãos de policiais militares. E
falha também a parcela da sociedade que defende o pior tratamento
possível aos presos, segundo ela. O atual modelo, diz a ouvidora, só
forma “monstros” com dinheiro público.
“Uma parte da sociedade, por falta de conhecimento, acredita que o
preso deve ser tratado assim mesmo. Mas não vê que os seus impostos
estão sendo usados para criar monstros. Esses presos estão lá para serem
recuperados”, afirma. Tratados em condições desumanas e degradantes, em
vez de serem ressocializados, os presidiários voltam ao convívio com a
sociedade ainda mais revoltados e violentos, observa.
Para Valdênia, a presença de militares nos presídios prejudica a
recuperação dos presos e configura um “desvio de função”. “Cada um que
fique com suas atribuições. Há mais de 1,5 mil policiais militares
trabalhando no sistema penitenciário. Mas o próprio legislador foi
inteligente ao prever que quem prefere não pode cuidar do preso. Estão
militarizando o sistema penitenciário”, avalia. Advogada e pedagoga, a
ouvidora tem mestrado em Direito Social e foi indicada pelo Conselho
para o cargo, em lista tríplice encaminhada ao governador Ricardo
Coutinho no ano passado.
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Administração
Penitenciária diz não haver incompatibilidade no exercício das funções. O
secretário da pasta é um coronel da Polícia Militar. O diretor da
Penitenciária Romeu Gonçalves de Abrantes, onde Valdênia foi detida, é
um major. A ouvidora, porém, não está sozinha em suas críticas.
Recuperação?
“Temos de acabar com essa militarização do sistema penitenciário. Tem
de haver administradores que conheçam a Lei de Execuções Penais. A pena
é a privação da liberdade, mas a direção tem de dar condições para que
eles retornem à sociedade e não venham cometer os mesmos crimes. Mas
isso não ocorre”, reclama o deputado Luiz Couto (PT-PB), ex-presidente
da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
O procurador da República Duciran Farena, que também faz parte do
Conselho Estadual de Direitos Humanos, acredita que não há como falar em
recuperação se não houver mudança de filosofia no sistema prisional
brasileiro. “Não dá para falar em recuperação em um sistema prisional em
que os presos não trabalham. Temos, pelo menos, de evitar que eles
morram”, considera.
Degradação
Durante a visita à penitenciária, os seis conselheiros dos Direitos
Humanos encontraram alojados 80 presos que faziam greve de fome por
melhores condições de tratamento. Motivos para queixas não faltavam: não
havia vaso sanitário, apenas uma bacia higiênica, que era compartilhada
por oito dezenas de homens. Não havia colchão nem rede para os
presidiários dormirem. Eles reclamavam de sede, que não tinha água
potável e que passavam até meses sem tomar banho de sol.
O cenário tornou-se ainda mais degradante quando os conselheiros se
dirigiram à ala em que estavam as chamadas celas de disciplina. Apesar
de os agentes penitenciários se recusarem a abrir os portões para a
visita dos conselheiros, o mau cheiro denunciava a precariedade das
condições. “Havia sinais de vômito na área externa das celas e só
podíamos ver as mãos dos presos e ouvir o que tinham a dizer. Não era
possível vê-los, pois a abertura para ventilação nas paredes era pequena
e as celas estavam escuras.”
Foi por uma dessas frestas de ventilação que os conselheiros passaram
uma máquina fotográfica para que um dos presidiários registrasse o que
se passava lá dentro. Não havia móveis nas celas. Nem vestes em seus
corpos. Todos se amontoavam nus, sem acesso a banho e água potável.
Alguns informaram que estavam há quatro meses sem banho de sol e que
havia, entre eles, presos feridos pelos agentes penitenciários.