sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O Estado não calará a Igreja na defesa da vida e da dignidade humana



A recente criação da Comissão da Verdade pelo governo brasileiro foi vista, por minorias de alguns setores mais radicais (de ambos os lados da escala ideológica), como uma continuação da luta travada na época dos anos de exceção e repressão: por alguns, como uma instância de revanche; por outros, como a oportunidade de resgatar ideologias que, sob um manto aparentemente humanista, já se mostraram daninhas em outras partes do mundo.
No entanto, a nomeação efetiva da comissão, que se mostrou bastante equilibrada, veio a mostrar que ela pode, de fato, ser aquilo que a grande maioria está esperando – uma instância de resgate da dignidade – e muitas vezes até dos restos mortais - dos que estiveram envolvidos nos conflitos ainda não completamente esclarecidos daquela quadra da história recente do Brasil.
Quero destacar, aqui, em especial, a minha admiração pela pessoa do Professor Doutor Cláudio Fonteles, nomeado pela Presidência da República para compor esta Comissão. Ele é membro emérito do Ministério Público Federal, onde foi Procurador-Geral da República, e tem uma história de luta pelos direitos humanos na melhor linha da Doutrina Social da Igreja, que ele aliás ensina, com muito brilhantismo, no Curso Superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília.
Cláudio Fonteles está na comissão em razão da sua história como homem público, e como digno representante dos cristãos que, movidos pela necessidade de defender a vida e a liberdade em nosso país, expuseram sua segurança pessoal para discordar pacificamente das políticas equivocadas de então, bem como para registrar e documentar o que ocorreu no período: nós, os católicos brasileiros, na excelente companhia dos irmãos judaicos e dos irmãos protestantes.
Isto foi feito através de iniciativas preciosíssimas como, por exemplo, o projeto Brasil Nunca Mais, iniciado ainda na clandestinidade, no tempo da ditadura, quando se podia falar de verdade em "justiça de transição".
Não estou tratando dos que, naquela época, muitas vezes empolgados ou pressionados pelos tempos duros, acabaram adotando caminhos radicais e incompatíveis com a boa doutrina social da Igreja. Falo dos cristãos que, ontem como hoje, levantaram pacificamente suas vozes em defesa do direito à vida e à liberdade ameaçados pelo Estado brasileiro de então, em que a vontade de alguns foi confundida com a vontade de todos, e a eliminação física de pessoas em razão desta ou daquela posição ideológica era vista como muito natural.
Curioso que, naquela época como hoje, a Igreja continue como bastião inabalável da luta em favor da vida dos mais fragilizados – naquela época, os mortos e desaparecidos na luta política; hoje, os nascituros, anencéfalos e doentes terminais, ameaçados agora pelo aborto e pela eutanásia.
Uso a expressão “curioso” não por causa da luta da Igreja pela vida, que é sempre coerente e firme. Mas porque os argumentos daqueles que se opõem a esta luta cristã continuam bem parecidos: trata-se, diziam os de então, de questões de Estado, e, como o Estado é laico, nós, católicos, deveríamos manter-nos fora de tais discussões. Este argumento ainda é repetido, hoje, pelos que, ocupando funções estatais, liberam o aborto e a eutanásia. Mas a luta pela vida é sempre nossa, e o Estado não calará a Igreja na defesa da vida e da dignidade humana. Que o Estado é laico sempre o soubemos, e não queremos nem por um momento que seja diferente. Mas lembraremos sempre a todos – aí incluídos os eventuais ocupantes do Poder em qualquer quadra histórica - que a vida humana é sagrada e que sempre a defenderemos frente ao Estado, da concepção à morte natural.
Cláudio Fonteles continua como um grande lutador pela vida, e teve que ouvir, muitas vezes, a acusação de que a sua atuação indivisa como homem público cristão “feria a laicidade do Estado”, quando, no exercício dos importantes cargos públicos que ocupou, lutava intransigentemente pelo respeito à vida dos nascituros, embriões e bebês, contra abortos e frias manipulações destrutivas em laboratório. Cláudio, no entanto, é um exemplo de cidadão íntegro e coerente: ele sempre teve os mesmos princípios humanos, quer na missa, quer no seu gabinete de Procurador Geral da República, onde não buscou aplausos fáceis, mas a luta corajosa pela defesa do ser humano.
Orgulho-me, ainda, como Procurador da República que também sou, que felizmente o Dr.Cláudio Fonteles, além de grande cristão, também seja um colega de instituição, e que de certa forma me represente duplamente nesta Comissão.
* Paulo Vasconcelos Jacobina é Procurador Regional da República e Mestre em Direito Econômico