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CLÁUDIA COLLUCCI
Mulheres que não podem engravidar por razões médicas estão tomando
"emprestados" úteros de outras não parentes para ter seus filhos.
Por resolução do Conselho Federal de Medicina, só parentes de primeiro e
segundo graus (mães, irmãs e primas) do casal podem ceder, de forma
altruística, o útero.
Mas, nos últimos meses, o Cremesp (conselho de medicina paulista) vem
autorizando que mulheres não parentes (como amigas) emprestem suas
barrigas, desde que não recebam nada por isso.
Nesse procedimento, o casal faz a fertilização in vitro (FIV) com seus
óvulos e espermatozoides e, depois, o embrião é transferido para o útero
da mulher que gestará o bebê. Quando a criança nasce, ela é registrada
em nome dos pais biológicos.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
O Cremesp já autorizou ao menos 15 pedidos de cessão temporária de útero
entre não parentes -cinco envolviam casais gays. Outros 16 ainda estão
sendo analisados.
São casos de mulheres que nasceram sem útero ou que têm doenças em que a gravidez é desaconselhada.
Segundo o ginecologista Eduardo Motta, que integra um grupo de médicos
que analisa os pedidos que chegam ao conselho, 90% dos casos estão sendo
aprovados.
"Só negamos quando não há uma razão médica ou quando existe alguma suspeita de que o casal esteja pagando pela cessão do útero."
Mas o próprio conselho médico reconhece que não tem condições de
fiscalizar se a mulher é amiga da paciente ou alguém contratada.
ALUGUEL
"A gente confia na palavra do médico e nos documentos que a paciente
apresenta. Não temos poder de polícia", diz o conselheiro Reinaldo Ayer
de Oliveira, professor de bioética da USP.
A Folha tentou entrevistar casais que tiveram autorização para o
empréstimo de útero, mas, segundo seus médicos, ninguém quis falar.
Na condição de anonimato, um ginecologista da capital confirma que há
aluguel. "Quem acredita que uma pessoa não parente vá carregar um filho
na barriga por nove meses só por altruísmo?"
A Folha localizou na internet oito anúncios de mulheres alugando seus
úteros a preços que chegam a R$ 200 mil. "50% antes e 50% depois do
parto", diz um deles.
Uma delas respondeu a emails enviados pela reportagem, mas disse que "o negócio não vingou".
Segundo a juíza Deborah Ciocci, o aluguel de útero no Brasil é
claramente um ato ilícito. O artigo 199 da Constituição proíbe o
comércio de tecidos e de substâncias humanas para fins de transplante,
pesquisa e tratamento.
Nos EUA, a legislação varia conforme o Estado. Na Califórnia e na
Flórida, por exemplo, o comércio é permitido. Na Europa, vários países
vetam o procedimento.
Alguns casais brasileiros já contrataram barrigas de aluguel nos EUA e
na Índia. "É uma temeridade esse comércio. Já desaconselhei paciente que
queria ir para a Índia", diz Artur Dzik, que preside a Sociedade
Brasileira de Reprodução Humana.
RESPONSABILIDADE
É o médico da paciente que assume a responsabilidade pelas informações
prestadas ao Cremesp. São exigidos, entre outros, laudos médicos e
psicológicos da mulher que vai gestar e o contrato estabelecendo a
filiação do bebê.
"Só aceito o caso se ficar claramente demonstrado que existe uma relação
longa de amizade entre o casal e a mulher que vai ceder o útero",
afirma Carlos Petta, professor da Unicamp.
Ayer conta que, em um dos casos negados pelo Cremesp, a mulher, casada
com americano, pedia autorização para que uma "amiga", moradora no
Jardim Ângela (região carente ao sul de São Paulo), emprestasse seu
útero.
"Fomos até o endereço do casal e era um hotel. Pedimos explicações ao médico, e todo mundo sumiu."
O ginecologista Arnaldo Cambiaghi considera "perigosa" a cessão de útero
sem parentesco. "Quem garante que a mulher que gestou não vá querer
ficar com o bebê?".
Deborah Ciocci levanta outros problemas. "E se a criança nascer com uma
síndrome grave? Os pais biológicos vão querer? E se a gestante de
aluguel tiver complicações na gravidez, quem assume?"