Menina que veio de São Félix, Recôncavo Baiano, trabalhou com Irmã Dulce e desde muito jovem carregava o desejo de ser religiosa. Essa é a Irmã Maria da Ressurreição, que foi batizada como Veneranda Lordello, filha de família nobre, ela gosta de pontuar que o exemplo de caridade que mais a inspirou para ajudar o próximo foram os de seus pais, uma vez que o olhar pelo povo carente era algo constante em seu ambiente familiar. Durante uma distraída conversa, admirando o jardim do Convento do Desterro, a freira que já soma mais de sete décadas de vida religiosa, nos contou que a ideia inicial era ser religiosa da mesma congregação que a Santa Dulce dos Pobres fez parte, mas ela revela que na época não foi acolhida e a madre geral da família religiosa Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus não deu garantias de que ela fosse ser admitida ou não.
Embora cansada, com um rosto marcado pelo tempo, a lucidez e a boa memória da religiosa a faz viajar ao passado e traduzir todas as palavras proferidas pela madre geral das Irmãs de Irmã Dulce, primeira família religiosa que a franciscana buscou. “Ela me disse que talvez eu fosse acolhida, mas não levou a sério e agiu com rispidez”, relembra, enfatizando que se tratava de uma freira alemã.
Inquieta e com forte ardor missionário, uma franciscana por essência, a religiosa fez toda sua caminhada de formação para a vida religiosa no Rio de Janeiro, mas também trabalhou com crianças carentes e órfãs em Belo Horizonte e São Paulo. Segundo a animada freira, sua paixão por criança não é coisa apenas da vida religiosa, mas sim da infância, período da vida que ela fez questão de destacar que o que mais a deixava feliz era reunir meninas e meninos pobres da região do recôncavo para oferecer-lhes lanches e organizar rodas de brincadeiras.
O desejo de servir, o ardor missionário de Ressureição estava muito à frente do seu tempo, uma vez que para ser possível ela se dedicar ao público mais vulnerável e carente, foi necessário que a Congregação Franciscanas do Sagrado Coração de Jesus a concedesse uma licença especial, e assim ela foi atuar nas periferias da capital baiana, sempre atenta as crianças mais pobres. Esse trabalho da religiosa sempre foi apoiado pela Igreja Católica, sobretudo o arcebispo emérito primaz do Brasil, Dom Geraldo Magela, que a liberou para em sua casa ter um espaço de oração com o Sacrário.
Ela nunca foi desligada da Congregação, o vínculo perdurou por vários anos e todas as madres que passaram pelo Convento do Desterro a acolhia e o tratamento com a corajosa freira seguia sem alterações, mesmo com ela em outro ambiente.
Na trajetória de vida missionária, a Irmã adotou pessoas da creche, crianças e nunca esqueceu de olhar os mais pobres.
De acordo com a madre geral da Congregação das Irmãs Franciscanas do Sagrado Coração de Jesus, a religiosa Mônica Maria, a Irmã Maria da Ressureição conquistou uma licença especial da congregação ainda nos anos 1980. Conforme a madre, tal medida especial foi para possibilitar o maior engajamento da religiosa em suas obras de caridade, que se tratava de cuidados com crianças e adolescentes carentes, em situação vulnerável.
Segundo Mônica, após idade avançada e não ter mais o mesmo vigor de quando jovem para atender aos mais carentes, Ressureição voltou ao convívio da fraternidade que vive no Convento do Desterro. “Esse retorno da Irmã tem deixado toda nossa Congregação muito feliz, pois com ela chega um forte testemunho de aceitação, de vocação a vida religiosa. A nossa irmã voltou pra casa que ela nasceu pra Deus”, diz.
A Irmã Kátia Silene, que faz parte da família religiosa desde 2001, observa que para a Irmã Ressureição exercer sua vocação missionária como ela desejava, precisou de coragem para solicitar a licença da congregação. “A pessoa deixar o conforto da sua fraternidade para servir, pois tudo que sei dela é que só serviu a vida toda e agora, já com a idade avançada, voltar para a vida comunitária, tudo isso é porque ela tem muita coragem”, frisou.