A terceira e última versão da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para o ensino infantil e fundamental foi apresentada nesta
quinta-feira (6) pelo Ministério da Educação (MEC). O texto não aborda o
ensino médio. O documento foi finalizado com atraso, já que estava previsto
para junho de 2016.
A BNCC é considerada fundamental para reduzir
desigualdades na educação no Brasil e países desenvolvidos já organizam o
ensino por meio de bases nacionais. O documento define a linhas gerais do que
os alunos das 190 mil escolas do país devem aprender a cada ano.
A base ainda precisa ser aprovada pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE) e depois homologada pelo ministro da Educação. Mesmo após
essas etapas, ela só terá efeito na sala de aula quando estados e municípios
reelaborarem os seus currículos em um prazo de até dois anos após a homologação
pelo MEC. Serão esses currículos que detalharão como será abordado cada uma das
metas ou cada um dos eixos da BNCC em sala de aula.
Veja
os destaques da BNCC do ensino infantil e fundamental
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Ensino religioso foi excluído da terceira
versão; MEC alega respeitar lei que determina que tema seja optativo e que é
competência dos sistemas de ensino estadual e municipal definir regulamentação.
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Conteúdo de história passa a ser organizado
segundo a cronologia dos fatos.
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Língua inglesa será o idioma a ser ensinado
obrigatoriamente; versão anterior da BNCC deixava escolha da língua a cargo das
redes de ensino.
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Conceito de gênero não é trabalhado no
conteúdo; MEC diz que texto defende "respeito à pluralidade".
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Texto aponta 10 competências que os alunos
devem desenvolver ao longo desta fase da educação (veja lista abaixo). Uma
delas é "utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética".
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Toda criança deve estar plenamente
alfabetizada até o fim do segundo ano; na versão anterior, o prazo era até a
terceira série.
·
Educação infantil ganha parâmetros de quais
são os "direitos de aprendizagem e desenvolvimento" para bebês e
crianças com menos de seis anos.
O Brasil não tinha uma base comum, mas documentos como as
Diretrizes e Parâmetros Curriculares e normas federais já garantiam a
padronização na elaboração dos currículos. Agora, a BNCC será a referência
nacional obrigatória para que as escolas desenvolvam seus projetos pedagógicos.
A proposta preliminar foi feita por uma comissão de
116 especialistas de 37 universidades de todas as partes do Brasil e gerou polêmica
por causa das lacunas deixadas em áreas como história e literatura. O documento
inicial tinha pouco mais de 300 páginas. Após contribuições online, a segunda
versão foi apresentada com 676 páginas e passou por audiências públicas.
Agora concluído e apresentado ao CNE, o documento final da BNCC tem 396
páginas.
A secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães de
Castro, elogiou o trabalho e disse que a forma de implementação dependerá dos
currículos adotados pelas escolas.
"Pela
primeira vez, o Brasil terá uma base que define o conjunto de aprendizagens
essenciais a que todos os estudantes têm direito na educação básica" - Maria
Helena Castro
Ensino
religioso
A versão final da BNCC do ensino infantil e médio exclui
"ensino religioso" da lista de áreas. Antes, ele estava ao lado de
linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza. Na versão
anterior, o texto afirmava que ensino religioso era área cujo conteúdo tinha
"oferta obrigatória", porém com "matrícula facultativa".
De acordo com o MEC, a área de ensino foi retirada para
atender o que está disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB). De acordo com a pasta, a LDB aponta que o ensino religioso seja
oferecido aos alunos do ensino fundamental nas escolas públicas em caráter
optativo.
Ainda segundo o MEC, cabe aos sistemas de ensino a sua
regulamentação e definição de conteúdos. "Sendo esse tratamento de
competência dos Estados e Municípios (...), não cabe à União estabelecer base
comum para a área, sob pena de interferir indevidamente em assuntos da alçada
de outras esferas de governo da Federação", aponta a versão final da BNCC.
Língua
inglesa
O inglês passa a ser o idioma obrigatório para ser
ensinado nas salas de aula a partir do 6º ano do ensino fundamental. Na versão
anterior da BNCC, os especialistas apontavam que era "importante que cada
comunidade escolar (pudesse) escolher as línguas estrangeiras a serem
ministradas, levando em conta as realidades locais específicas, a exemplo dos
contatos com outras línguas em regiões de fronteira ou migração, em comunidades
com história de migração, em comunidades indígenas, entre outras".
A mudança segue a mesma linha defendida pela atual gestão
do MEC, que fez a mesma exclusão durante a reforma do ensino médio.
Alfabetização
A segunda versão da BNCC defendia que os alunos deveriam
ser alfabetizados até o terceiro ano da educação básica. Na proposta final, o
processo de letramento deverá ser concluído no segundo ano. Alguns
especialistas chegaram a alertar para o risco de que o capítulo dessa etapa de
ensino acabe por favorecer a escolarização precoce.
"A principal mudança para mim é em relação à
alfabetização. A versão 2 trabalhou o tempo todo com a garantia plena da
alfabetização até o final do terceiro ano. Nós baixamos para até o final do
segundo ano. Essa é a principal mudança", disse Maria Helena.
O ministro Mendonça Filho defendeu o novo prazo como
garantia de igualdade de direitos.
"A
gente está assegurando o mesmo direito para as crianças que estudam nas
melhores escolas também para as escolas públicas" - Mendonça Filho
Atualmente, segundo o Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa (Pnaic), o governo federal, os estados e os municípios devem
garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade,
ao final do terceiro ano do ensino fundamental. A iniciativa, vigente desde
2012, é uma parceria do MEC com uma rede de universidades públicas federais e
estaduais, redes de ensino estaduais e municipais e professores
alfabetizadores.
História
cronológica
Alvo de polêmicas nas primeiras duas versões, os
principais questionamentos nesta disciplina tinham já sido resolvidos com a
reorganização feita na segunda versão da base.
Além desses pontos, o MEC anunciou ter feito uma
reorganização na forma como o conteúdo será apresentado ao longo dos nove anos do
ensino fundamental. "Em história, você tem uma mudança importante. A parte
de história obedece a cronologia dos fatos, coisa que não estava
presente", afirmou Maria Helena.
Questões
de gênero
A secretária executiva do MEC, Maria Helena Castro,
afirmou que o conceito de gênero não é trabalhado na versão final da BNCC para
o ensino fundamental e infantil.
"Não trabalhamos com ele (conceito de gênero). Nós
trabalhamos com o respeito à pluralidade, inclusive do ponto de vista do
gênero, de raça, de sexo, tudo. (...) Inclusive fomos até procurados aqui (no
MEC) por alguns que defendiam o uso de gênero e outros que eram contra. Nós não
queremos nem ser contra nem a favor. Somos a favor da pluralidade, da abertura,
da transparência e da lei", disse Maria Helena.
Como eixo, a BNCC defende que o aluno desenvolva a
competência de se relacionar "sem preconceitos de origem, etnia, gênero,
orientação sexual, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de
qualquer outra natureza".
10
competências
A base determina que, ao longo da educação básica, os
estudantes devem desenvolver dez competências gerais, tanto cognitivas quanto
socioemocionais, que incluem o exercício da curiosidade intelectual, o uso das
tecnologias digitais de comunicação e a valorização da diversidade dos
indivíduos.
1. Valorizar
e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico,
social e cultural para entender e explicar a realidade (fatos, informações,
fenômenos e processos linguísticos, culturais, sociais, econômicos, científicos,
tecnológicos e naturais), colaborando para a construção de uma sociedade
solidária.
2. Exercitar
a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,
incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade,
para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver
problemas e inventar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
3. Desenvolver
o senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as diversas manifestações
artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também para participar de
práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
4. Utilizar
conhecimentos das linguagens verbal (oral e escrita) e/ ou verbo-visual (como
Libras), corporal, multimodal, artística, matemática, científica, tecnológica e
digital para expressar-se e partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos em diferentes contextos e, com eles, produzir sentidos que levem ao
entendimento mútuo.
5. Utilizar
tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica,
significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do cotidiano (incluindo
as escolares) ao se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir
conhecimentos e resolver problemas.
6. Valorizar
a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos
e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do
trabalho e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal,
profissional e social, com liberdade, autonomia, consciência crítica e
responsabilidade.
7. Argumentar
com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e
defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os
direitos humanos e a consciência socioambiental em âmbito local, regional e
global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros
e do planeta.
8. Conhecer-se,
apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções
e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas e com a
pressão do grupo.
9. Exercitar
a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se
respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da
diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades,
culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero,
orientação sexual, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de
qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a
qual deve se comprometer.
10. Agir
pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e determinação, tomando decisões, com base nos conhecimentos
construídos na escola, segundo princípios éticos democráticos, inclusivos,
sustentáveis e solidários.
11.
"A Base tem o objetivo de entender que o país é diverso e
que escola deve estar aberta para atender todos, que seja inclusiva e que
aceite o diverso", disse a secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães
de Castro.
Bebês
e crianças pequenas
A BNCC também passou a adotar objetivos específicos para
três categorias da educação infantil: crianças de zero a 1 ano e 6 meses; 1 ano
e 7 meses a 3 anos e 11 meses; 4 anos a 5 anos e 11 meses.
A educação infantil, aliás, é a etapa que tem a estrutura
defendida como mais inovadora pelos redatores da versão final da BNCC. Ela não
obedece a divisões mais tradicionais por áreas de conhecimento e componentes
curriculares. Faz o cruzamento das áreas com os chamados "campos de experiência",
que incorporam dimensões como o "brincar" e "explorar", consideradas
indispensáveis à formação das crianças.
Em reunião técnica para discutir a base com a imprensa,
Maria Helena exemplificou competências específicas das áreas de conhecimento e
de objetivos de aprendizagem do ensino fundamental. Em matemática, por exemplo,
espera-se que o aluno possa estabelecer relações entre conceitos dos diferentes
campos da ciência (aritmética, álgebra, geometria, estatística e probabilidade)
durante todos os anos do ensino fundamental.
Próximos
passos: dois anos de prazo
O documento final da BNCC, agora, será entregue ao
Conselho Nacional de Educação (CNE). A comissão vai analisar o texto e preparar
um parecer técnico que será submetido à votação do CNE.
De acordo com o ministro Mendonça Filho, o calendário de
implementação da base vai dar o prazo de até dois anos após a homologação para
que as redes elaborem seus currículos, que serão posteriormente referendados
pelo MEC.
Segundo indicou a secretária executiva do MEC, Maria
Helena Guimarães de Castro, o CNE deve organizar audiências públicas em cada
região do país, para ouvir opiniões de especialistas e de representantes de
professores e sociedades científicas.
Para que a proposta se transforme em lei, a base ainda precisa
ser homologada pelo ministro da Educação. A implementação da BNCC, no entanto,
demandará um ciclo de trabalho, que envolverá formação e capacitação de
professores, mudanças dos materiais didáticos e reformulação dos currículos das
escolas estaduais, municipais e federais.
Maria Helena avalia que o "ideal seria a execução da BNCC
ainda em 2019". A secretária, no entanto, reconheceu que há um longo caminho
para percorrer.
O MEC vai acompanhar a revisão dos livros didáticos. Em
princípio, o acervo deveria permanecer em uso no triênio de 2018 a 2020, mas o
governo quer reduzir esse prazo para dois anos. De acordo com Maria Helena, o
ministério vai negociar com as editoras a possibilidade de contar com livros
revistos segundo as prescrições da BNCC já a partir de 2019.
A BNCC vai exigir também a revisão do que é cobrado nas
avaliações federais, estaduais e municipais. A matriz da Prova Brasil, que não
passou por mudanças desde 2001, será modificada conforme garantiu Maria Helena.
"Esse ano, com certeza, praticamente, provavelmente, teremos a Base
nacional curricular aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, uma vez
aprovada ano que vem o Inep desenvolve uma nova matriz e aplica no ano de
2019", disse.
Ensino
médio
A Base Nacional Comum Curricular apresentada pelo MEC
nesta quinta (6) trata apenas dos ensinos infantil e fundamental. A base do
ensino médio será revisada por causa da aprovação do projeto de reforma dessa
etapa da educação básica sancionada pelo Congresso em fevereiro deste ano. A
previsão é de que ela seja encaminhada ao Conselho Nacional de Educação no
segundo semestre.
Enquanto não houver mudanças na base do ensino médio, o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) terá os mesmos conteúdos.
"O Enem vai mudar na medida em que a base do ensino
médio for aprovada. O Enem deve seguir a nova base no futuro, não sei se é 2019
ou se é 2020. Vai depender da nova base", disse Maria Helena.
A secretaria executiva do MEC lembrou que as mudança de
conteúdo do Enem, conforme aprovado na lei da reforma, só devem ocorrer dois
anos após a aprovação da BNCC do ensino médio.