A relação até que já foi boa. O casamento entre o PT e PMDB, que começou no primeiro mandato de Lula, viveu altos e baixos durante aquele Governo (2003-2010), e superou diferenças a ponto de repetir o compromisso com o Governo Dilma em 2011. Relevaram dissabores, e encontraram até um novo ponto de equilíbrio, com mais status para os peemedebistas que lograram emplacar Michel Temer, presidente da legenda, como vice da presidenta. Mas veio o segundo mandato. Entre cartas cheias de mágoas que se tornaram públicas e tentativas de criar partidos para enfraquecer aquele que deveria ser o principal parceiro político, as duas legendas tentaram sustentar a aliança. Até que tudo mudou e a parceria chega ao fim nesta terça.
Viveram momentos de sintonia. Foi com a ajuda do partido que o Palácio do Planalto aprovou medidas de grande impacto público, como o polêmico programa Mais Médicos, no fim de 2013, e a destinação dos royalties da exploração do petróleo para educação e saúde, meses antes. Mas nenhum desses processos evoluiu no Congresso Nacional de maneira harmoniosa, o que sugeria que uma hora o entendimento entre os dois partidos poderia chegar ao fim.
Há falta de harmonia também dentro do PMDB. Não há consenso entre os peemedebistas de que chegou a hora de desembarcar em definitivo do Governo Dilma. Mas a priori, uma maioria calculada entre 70% e 80% do partido já se considera fora da aliança. Grupos ligados aos sete ministros que o PMDB mantém atualmente na Esplanada dos Ministérios defendiam até esta semana pelo menos mais tempo para que a decisão de romper fosse tomada. Tudo o que ministros como Eduardo Braga, de Minas e Energia, e Kátia Abreu, da Agricultura, devem conseguir, entretanto, é apenas mais alguns dias (até 12 de abril), após o rompimento, para deixar seus cargos. O ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, se adiantou e apresentou sua carta de demissão nesta segunda, dizendo em carta a Dilma que "o diálogo se exauriu". Ainda nesta segunda-feira, o vice-presidente Michel Temer buscou peemedebistas resistentes para tentar garantir alguma unidade na decisão de debandada.
A presidenta procura explorar a indecisão de setores do partido para mantê-lo dividido. Ela recebeu no Palácio da Alvorada seis dos sete peemedebistas que comandam ministérios. Até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que permanece em situação indefinida na Esplanada dos Ministérios após sua posse como chefe da Casa Civil ter sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entrou no jogo, segundo informações de colunistas políticos.
O ex-presidente ainda aposta em uma coalizão com peemedebistas sem o apoio da direção do partido — ele teria dito isso pessoalmente a Temer. Lula anunciou, durante entrevista a jornalistas estrangeiros, que viria para Brasília para tratar da questão. Mas o esforço pode estar vindo tarde demais. Pelo menos 16 dos 27 diretórios do PMDB estariam decididos a deixar o Governo.
Até o PMDB do Rio de Janeiro, o maior defensor do casamento com o Governo nos últimos meses, já sinalizou que deve votar a favor do desembarque. É possível até que o comando do partido defina pelo rompimento por aclamação, ou seja, sem precisar exatamente estabelecer um processo de votação. Assim, de todos peemedebistas sobraria formalmente no Governo — se é possível falar assim — apenas o vice-presidente Michel Temer, porque sua saída exigiria uma renúncia ao cargo, o que é difícil de imaginar no atual cenário, no qual ele pode vir a virar presidente após o processo de impeachment de Dilma.
A sutileza em disputa nesta segunda-feira era a força com que o PMDB vai desembarcar. A depender do resultado da deliberação, outros partidos da base, como o PP, tendem a acompanhar a debandada. Os pepistas vão deliberar sobre o assunto no dia 30, a quarta-feira seguinte ao anúncio do PMDB. Na sequência, o PSD — partido criado em 2011 pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab, com o patrocínio do Governo para enfraquecer o PMDB — seria o próximo aliado a abandonar o barco. O PR também estuda deixar a aliança, algo que o PRB, que detinha o comando do Ministério do Esporte, já havia sinalizado, muito embora a legenda tenha deixado a porta aberta.
Se confirmada todas as defecções, Dilma só poderia contar com o apoio incondicional de três grandes partidos na batalha contra o impeachment: PT, PCdoB e PDT. Mas mesmo os peemedebistas que defendem a saída do Governorelutam em relacionar a debandada a votos pelo impedimento da presidenta — ou seja, há quem esteja deixando a aliança, mas sem disposição o bastante para sepultar o Governo Dilma, ao menos por agora. No dia da votação do impeachment no Congresso virá a hora da verdade. De qualquer forma, as baixas no Congresso Nacional enfraquecem um Governo que já gasta a maior parte de seu tempo tentando encontrar formas de se manter de pé.
O PMDB procura uma saída tranquila, quase reproduzindo o conceito de 'soft landing' (pouso suave) da economia. Não querem a fama de golpistas. Mas já são conhecidos por abandonar os barcos do poder quando estes ameaçam virar. Foi assim desde os anos do Governo Collor. Assumiram seu papel de aliado para estar no poder. Desta vez, porém, é diferente. Prometem disputar 2018 com candidato próprio, depois de 22 anos. Assim, se por ventura o Governo Dilma sobreviver ao massacre dos próximos dias, a legenda já estaria pronta para trilhar o seu caminho solo para entrar no Palácio do Planalto eleito diretamente pelos votos do povo.