Magdalena chegou a pesar 178kg; peso atual é 109kg.
A obesidade sempre foi um problema na vida de Maria Magdalena do
Nascimento. Ao atingir quase 180 quilos e enfrentar muitas dificuldades,
ela estabeleceu uma meta: emagrecer e melhorar as condições de saúde.
Com ajuda de um balão intragástrico, de uma equipe multidisciplinar de
saúde e muito sacrifício, ela perdeu 71 quilos em menos de um ano.
Madá, como é chamada pelos familiares e amigos, é professora de
biologia e vive em Feira de Santana, que fica a cerca de 100 quilômetros
de Salvador. Tem 32 anos de idade e desde a infância enfrenta olhares e
comentários maldosos. "Quando criança, eu era a maior da turma, a mais
gordinha, e ouvi muita coisa desagradável dos colegas. Sempre respondia à
altura e fingia não me importar, só que aquilo doía ", conta.
Ela lembra que começou a engordar aos 10 anos, mas o problema se
agravou a partir dos 18 anos, quando era estudante universitária. A
rotina era desregrada, com noites mal dormidas, sem horários para
atividades físicas e nem para cuidar a alimentação. "Todo dia era pizza,
sanduíche, coxinha", detalha. Madá ainda acrescenta que sofria de
ansiedade e costumava compensar problemas com a comida. "Eu achava que
comer algo gostoso ia me ajudar a me sentir feliz e disposta para
resolver algo, mas piorava".
Com o tempo, a professora desenvolveu hipertensão e quadro de
pré-diabetes, e engordou até atingir o peso máximo, há três anos: 178
quilos. "Foi a pior fase da minha vida, minha autoestima estava zerada.
Tive uma crise hipertensiva e achei que ia morrer. Passei a me isolar
socialmente, tive medo de desenvolver depressão, algum transtorno
psicológico".
Foto: Arquivo Pessoal | Magdalena está com o astral lá em cima agora.
Nesse período, Madá sofria para comprar roupas e mandava uma costureira
fazer a maioria das peças. "Ir a uma loja era um constrangimento. Ir a
lugares comuns, como restaurantes, também, pois a maioria das cadeiras
são pequenas, estreitas, eu tinha medo de quebrá-las, como já havia
acontecido em sala de aula, na frente com os alunos", relata.
Aliás, a convivência escolar também incentivou a mudança no estilo de
vida. Além dos olhares de reprovação que notava quando andava nas ruas,
nas escolas onde trabalha a professora era apontada como " a tia que
tinha barrigão e era enorme". "Criança não mede palavras, e eu não via
maldade da parte delas, mas ninguém gosta de ouvir esse tipo de
comentário. Passei a não descer no intervalo das aulas para evitar o
desconforto e também porque era muito cansativo subir e descer as
escadas".
No fim do ano passado, Madá decidiu colocar o balão intragástrico para
auxiliar a perda de peso e estimular a adoção dos novos hábitos, para
depois se submeter à cirurgia bariátrica - que ainda não foi feita.
"Sempre tive muito medo do procedimento cirúrgico, porém, entendi que
precisava de uma medida radical para ter uma vida tranquila". A meta de
peso estabelecida para que ela pudesse fazer a cirurgia era de 120
quilos; atualmente está com 109 quilos.
No próximo dia 16 a professora completa um ano com o balão, que deve
ser retirado no dia 21 de dezembro. Para ela, os últimos meses não foram
fáceis. As massas e os doces foram trocados pelas saladas, frutas,
proteínas e outros alimentos saudáveis. "Hoje entendo que alguns
alimentos não podem fazer parte da minha rotina alimentar. Entretanto,
admito que sinto vontade de comer, principalmente doces", confessa a
professora, que não come doces há quase um ano.
Além das mudanças na alimentação, Madá está voltando, aos poucos, a
praticar atividades físicas. Entre os exercícios estão musculação e
aeróbico leve. "Eu tentava malhar, mas não gostava de ir à academia
porque me sentia em um ambiente hostil. Ficava preocupada com o que as
pessoas iam pensar. Hoje não me incomodo mais".
Entre os benefícios conquistados nos últimos meses, ela menciona a
qualidade do sono ("não sofro mais de apnéia e não acordo me sentindo
cansada"), aumento da disposição e bom humor. "Sempre tive amigos, fui
sociável, mas hoje vejo que às vezes enxergava a vida de forma negativa e
acabava afastando as pessoas.
Foto: Arquivo Pessoal |Madá compara corpo com o mesmo vestido, em momentos diferentes; manequim passou do 60 xgg para o 54
Hoje meu astral está lá em cima e quero sair perambulando pelo mundo.
Eu não ia nem ao mercado perto de casa, por vergonha e pelo esforço que
uma simples caminhada me demandava", compara.
Se antes comprar roupas era uma tortura, agora é alegria. "Recentemente
vesti uma calça jeans em uma loja e me emocionei. Nem lembrava a última
vez que tinha conseguido usar esse tipo de roupa", afirma a professora,
cujo manequim atingiu o 60 xgg e agora está no 54. "Minhas roupas ainda
são 'plus size', só que agora mais modernas e bonitas. Antes não
conseguia comprar nada".
Há alguns dias a professora criou uma conta em uma rede social, onde
compartilhaa própria história e a rotina, a fim de inspirar pessoas que
sofrem com o mesmo problema a buscar ajuda e também como incentivo para
si mesma. "Ainda preciso melhorar muito, especialmente no aspecto
emocional. O principal é reorganizar a cabeça, convencer a mim mesma da
minha força. Não é falta de vergonha na cara, como dizem. Obesidade é
doença, das mais complexas, e precisa ser tratada", comenta.
Equipe multidisciplinar
Hoje Magdalena comemora a melhoria das taxas de colesterol e açúcar, a
disciplina e a autoconfiança. Além do esforço pessoal dela, o sucesso do
tratamento se deve ao suporte dado por um médico, uma nutricionista e
uma psicóloga.
A psicóloga Katia Danielle Almeida de Sandes, que tem acompanhado o
caso, afirma que fatores como ansiedade e ritmo de vida acelerado
contribuem para o ganho de peso e têm provocado aumento do número de
pessoas com compulsão alimentar. "É um transtorno em que a pessoa come
exageradamente, mesmo sem fome. Geralmente faz isso em busca de um
conforto emocional ou mesmo justificando um merecimento, ou seja, tem
uma relação com a comida de compensação", explica.
De acordo com ela, descobrindo a relação do sujeito com a o ato de
comer, o psicólogo pode desenvolver estratégias, junto com o paciente,
para que a comida não seja uma válvula de escape para liberar tensões.
"Todas as emoções fazem parte de nós, mesmo as que são consideradas
negativas. Na sociedade atual, não temos tempo de fazer uma autoanálise,
perceber quais são os nossos gatilhos de estresse e como dissolvê-los. É
mais rápido buscar um consolo para os problemas e muitas vezes esse
consolo é a comida. Então é preciso aprender a lidar com as emoções,
para que não se tornem mais um problema", orienta.
Para não comer descontando sentimentos, como fazia, Magdalena desvia a
atenção para atividades que a distraem, como ler livros. "Vivo atenta
para evitar angústias e não cair na tentação. O processo é sofrido, não
só pela falta de alguns alimentos, mas também por olhar para dentro de
si. Mas ver o resultado de tanto esforço compensa. Hoje sou outra
pessoa, no aspecto físico e mental".
Katia Danielle ainda afirma que o paciente precisa estar consciente das
dificuldades do processo de emagrecimento e focado no objetivo. Madá
confirma: "Minha família e meus amigos me aconselhavam muito, mas a
transformação só veio a partir do momento em que eu quis".
O apoio da família e do amigos é importante, de acordo com a psicóloga.
Neste aspecto, Madá teve mais dificuldades. "Minha família,
naturalmente, queria meu bem, mas ninguém mudou hábitos para me
acompanhar. No começo era difícil vê-los comendo certas coisas. Depois
acostumei, percebi que o problema era meu, não deles, então não tinham
obrigação de mudar", argumenta. Ela ressalva que a mãe a ajuda no
preparo dos alimentos indicados no plano alimentar, mas não os consome.
A nutricionista Mariana Maia destaca que é preciso esclarecer que nada é
extretamente proibido na rotina alimentar de um paciente com obesidade
mórbida, como era o caso de Magdalena. "Quando eles têm sensação da
privação, acabam aumentando a ansiedade. Então explico que, na verdade, é
preciso reaprender a comer, ampliar a consciência alimentar".
Conforme ela, apesar de dieta para pacientes com super obesidade ser
restritiva, sempre respeitando individualidades de cada um, eles não
devem passar fome. "Isso é um mito e não funciona, a longo prazo. O
processo tem de ser sustentável ou não vai atingir o objetivo, que é o
de proporcionar mais qualidade de vida".
O gastroenterologista Antonio Fabio Teixeira explica que o balão é
indicado para pacientes com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 27,
com sobrepeso e que já tenham utilizado outros métodos para perda de
peso, sem sucesso. Assim, não é necessário um quadro de obesidade
mórbida para colocar o balão.
No caso de Madá, a super obesidade, por si só, já representava um fator
de risco à saúde, que era ampliado em um ato operatório. Por isso, foi
orientada a usar um balão antes de se submeter à bariátrica. O médico
detalha também que durante o período de usa do balão, o paciente se
adapta a um novo estilo de vida. "Quando chega o momento da cirurgia,
notamos uma melhora do grau metabólico, do estado nutricional e
principalmente emocional. Ele chega mais forte, precisa de menos
ambiente hospitalar para o pós-operatório".
Fábio destaca que o balão é apenas um elemento dentro de um contexto mais amplo, de adesão de hábitos saudáveis.
"A obesidade é controlável, mas não curável. Os cuidados têm de ser
adotados por toda a vida", ressalta. Ele lembra ainda que o índice de
pacientes que voltam a ganhar peso após a bariátrica é grande justamente
pela dificuldade que muitos têm em mudar o conceito de alimentação.
"A função da comida é nos manter vivos, mas elas também nos
proporcionam prazer. Se o paciente voltar a comer em demasia após o
processo, o estômago dele se dilata novamente e aumenta a capacidade
alimentar, daí ele engorda outra vez".
Para além dos aspectos biológicos, o gastro afirma que é preciso
analisar questões sociais e culturais para combater a obesidade.
"Estamos vivendo em um ritmo cada dia mais acelerado. Trabalhamos
demais, não temos tempo de praticar exercícios. As pessoas vivem
trancadas em casa com medo da violência, nem as crianças brincam mais em
praças e ruas. Não temos tempo de preparar nosso alimento e comemos
produtos de menor valor nutricional e maior valor calórico. É necessário
mudar essa realidade".
Fonte: G1