Uma mulher de 59 anos foi liberta após mais de três décadas de trabalho análogo à escravidão em São Gonçalo dos Campos, município a cerca de 115 km de Salvador (BA). A vítima residia no local de trabalho, onde era responsável pelas tarefas domésticas para manutenção da casa e conforto da família empregadora, sem nunca ter recebido salário.
O resgate foi feito por auditoras-fiscais do trabalho em 30 de novembro. A mulher foi encaminhada para acolhimento e cuidados necessários em um abrigo. Quando estiver em condições, ela deve passar a residir com a própria família.
Relatos apontam que a funcionária doméstica foi vítima de maus tratos, violências psicológicas e diversas violações de direitos. A situação foi descoberta pela Justiça do Trabalho após uma inspeção no local, e a partir de relatos de membros da família empregadora e de diversas pessoas cientes da situação, além da própria vítima.
A família que mantinha a funcionária em cárcere fez algumas contribuições previdenciárias em nome da funcionária como contribuinte individual, o que possibilitou uma aposentadoria por invalidez. Contudo, a vítima nunca administrou a quantia.
Os empregadores eram responsáveis pelas contas bancárias em nome dela, e repassavam valores em torno de R$ 50 a R$ 100 mensais para a funcionária, para a utilização em despesas de higiene pessoal, vestuário e guloseimas.
Segundo relato da auditora Gerusia Barros, a mãe e o irmão da resgatada também prestaram serviços domésticos, sem salários, para essa mesma família, em período anterior à chegada dela à casa. A mãe trabalhava em uma fazenda, também propriedade dos empregadores, enquanto o irmão trabalhava na residência, mas conseguiu fugir da situação aos 27 anos.
A resgatada mudou-se para a propriedade onde era mantida aos 24 anos, para realizar serviços domésticos. Atualmente, atuava como cuidadora da dona da casa, apesar de ambas serem idosas. Ao todo, eles serviram a duas gerações da família.
Parentes da vítima e vizinhos relataram que a “patroa” controlava visitas e telefonemas, dificultando o contato da vítima com o mundo externo.
“Em casos como este, ouvimos sempre a afirmação de que a vítima é ‘como se fosse da família’. Mas essa pessoa da família não completou o ensino médio, em oposição aos outros filhos, não desenvolveu laços de amizade externos ou mesmo construiu uma vida para além das atividades domésticas da casa. Os empregadores afirmaram que os serviços domésticos não eram trabalho, mas uma colaboração voluntária no âmbito familiar”, informa a Auditoria Fiscal do Trabalho na Bahia.
“O resgate foi feito numa casa grande no centro da cidade de São Gonçalo, demonstrando a invisibilidade deste tipo de violação e a necessidade de toda a sociedade participar da superação desta prática decorrente da herança escravocrata do nosso país”, completa.
A ação foi coordenada pela Auditoria Fiscal do Trabalho na Bahia e contou com a participação do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Polícia Militar da Bahia e do Serviço de Assistência Social do estado da Bahia, que garante o atendimento psicossocial. (Portal Metrópoles)