domingo, 5 de outubro de 2014

O padroeiro dos políticos e o rebanho sem santo


 

 

Hans Holbein / Wikimedia Commons
São Tomás More (Thomas Morus), padroeiro dos políticos: esse deve ter muita “dor de auréola” com seus apadrinhados…
Pouca gente sabe, mas os políticos têm um santo padroeiro. E não é São Dimas, o bom ladrão, como se poderia pensar – até porque Dimas foi um ladrão bom, não um ladrão dos bons. Desde 2000, o santo padroeiro dos políticos é São Tomás More (ou Thomas Morus), e hoje, 22 de junho, é comemorado o seu dia. Pobre do Tomás. Esse deve ter muita “dor de auréola” com seus apadrinhados brasileiros.
Bom seria se nossos políticos seguissem o exemplo de vida do santo padroeiro. O britânico Tomás More foi um intelectual brilhante, reconhecido tanto por seu bom-humor (com sacadas muito mais engraçadas do que as do Tiririca) quanto por seu bom coração (sempre ajudou os pobres, sem pedir votos em troca). Aliás, ele sonhava com um mundo de harmonia e igualdade, onde todos trabalhariam pelo bem comum, ideal que deixou registrado em sua obra Utopia – a ponto de o considerarem um dos pais do comunismo, um “santo comunista”.
Por volta de 1530, quando Tomás More era chanceler do Parlamento da Inglaterra, o rei Henrique VIII resolveu enfrentar a Igreja para anular seu matrimônio com a rainha Catarina de Aragão e se unir com a ambiciosa Ana Bolena (sobre o tema, indico o filme A Outra). Depois de fazer o Parlamento inglês reconhecê-lo chefe da Igreja da Inglaterra, afastando-se em definitivo da Igreja Romana, Henrique VIII mandou matar seus opositores: entre eles Tomás More, que foi decapitado em 1535 por não renegar a fé católica. Bem diferente dos nossos políticos atuais, que mudam de partido, de aliados e de discurso a qualquer momento, e renegam seus eleitores, suas próprias histórias, sem nenhum pudor, em nome do poder.
E nós, pobres eleitores, temos padroeiro? Há quem diga que é São Nunca… Brincadeira à parte, o grande santo dos eleitores ainda não foi canonizado adequadamente por nós: o voto consciente. Só o voto consciente pode realizar o milagre de mudar nossa triste realidade política. Só esse santo pode abrir os caminhos e as porteiras para um futuro melhor.
Por falar em porteiras, nas eleições do ano passado, escrevi um texto sobre a importância do voto, relembrando uma lição que tive na infância, durante uma visita à fazenda. Adapto-o, a seguir, para este blog:
Stock.Xchng
O voto abre as porteiras deste curral em que vivemos…
Sobre bois e eleitores
Meu saudoso avô materno era um homem simples, um José da Silva, como tantos. Como muitos, ele saiu de Portugal em meados do século 20 para construir sua vida no Brasil, (então?) um país repleto de oportunidades. Veio, viu e venceu, como alguns. E, como poucos, apesar da escassa instrução formal, ele era dotado de profunda sabedoria, que vinha à tona em frases sóbrias – ainda que geralmente proferidas entre goles de cerveja.
Meu avô não era envolvido com política, nem se interessava muito pelo tema. Mas uma de suas lições marcantes me vem à cabeça durante os períodos eleitorais, ou quando fico sabendo de novos escândalos políticos – praticamente todos os dias. Era o final da década de 1980, o Brasil acabava de se redemocratizar. Eu era pequeno e observava a tropa de gado de meu avô sendo marcada a ferro em brasa. De repente, um dos bois conseguiu se desvencilhar dos capatazes que o imobilizavam e deu uma cabeçada no grande botijão de gás, jogando-o longe. Ao ver a cena, receoso, perguntei a meu avô se aquela grande massa de bois não poderia se unir para nos fazer mal. Ao que ele respondeu, cunhando a tal frase de que me lembro agora: “Para nossa sorte, eles não sabem a força que têm”.
Meu avô era um homem honesto, falava de bois. Mas a frase bem poderia sair da boca de um político corrupto, falando aos netos sobre seus eleitores. “Vovô, estão o chamando de ladrão. O povo não pode fazer mal ao senhor? Eles não vão acabar com a minha mesada, daquele cargo em comissão que eu nunca ocupei de verdade, não é?”, devem questionar tais netos – e herdeiros políticos, como é de praxe. “Não se preocupe, fantasminha querido do vovô. Para nossa sorte, eles não sabem a força que têm”, devem responder os muitos coronéis sem farda que mantêm verdadeiros currais eleitorais Brasil afora.
De fato, infelizmente, grande parte do povo comporta-se politicamente de maneira bovina. Alguns dão suas cabeçadas, mas raramente conseguem a adesão da massa, que ou não quer ou não sabe de sua força, da força da união de todas as forças. É preciso parar de ruminar e agir. Durante as eleições, abre-se uma grande porteira do curral: para sairmos por ela, é preciso que votemos de maneira consciente. Ou todos nós continuaremos a ser ferrados, como uma ignorante e submissa tropa de gado.
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Agudas
- Pensando bem, não sei se foi uma boa ideia lembrar que os políticos têm um santo padroeiro… É bem capaz de eles aproveitarem para criar mais um feriado para si próprios, ou usarem de desculpa para emendar esta quarta-feira no feriadão de Corpus Christi, o que só eles vão fazer, afinal, precisam passar a festa junina em suas bases – como alertou ontem o afiadíssimo Rogério Galindo, no blog Caixa Zero. Aliás, como precisam ir às bases esses nossos nossos políticos. Parecem telefones-sem-fio com a bateria fraca.
- Há um filme, de 1966, que conta a história de Tomás More: A man for all seasons (no Brasil, O homem que não vendeu sua alma), de Fred Zinnemann. Já no Brasil, se tivessem alma, muitos de nossos políticos a trocariam por um cargo, não duvido.