Há 15 anos, a Seleção Brasileira poderia ter
sido penta na França, mas não foi. Também há 15 anos, Fernando Henrique
Cardoso foi reeleito presidente do Brasil. Pois também há 15 anos, em
1998, Agenor poderia ter sobrevivido. Mas não resistiu às pauladas e
pedradas.
Há 15 anos, um homem de apelido Manoelito se tornou o
último homem a matar alguém na cidade de Dom Macedo Costa, a 180
quilômetros de Salvador. Nem por isso ele foi preso. Na ocasião, o
responsável pelo caso era um delegado auxiliar, calça-curta como eram
chamados. Um dos advogados perdeu o inquérito e tudo ficou por isso
mesmo. Hoje, os policiais da cidade sequer sabem o sobrenome de Agenor.
Há 15 anos, aquele assassinato de Agenor foi a
última “morte matada” em Dom Macedo Costa, cidade que tem cerca de 4 mil
habitantes e se resume a uma rua com poucas transversais.
Os
xarás Lourival Gonçalves e Sales na porta do cemitério de Dom Macedo
Costa, município onde não há registro de mortes por assassinato
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“Aqui
é o lugar mais calmo do mundo. Calmo até demais!”, define o aposentado
Lourival Gonçalves, de 64 anos. Sentado em um dos banquinhos em frente
ao Cemitério Municipal, ao lado de outro Lourival, o Sales, 69, ele
deixa logo claro que não trabalha ali: “Deus me livre! A gente senta
aqui só pra ver o movimento”. E alguém entra no cemitério? “Não. Eu era
pequeno quando mataram alguém aqui, era até uma professora”.
Homicídio confirmado não acontece há 15 anos, mas,
há seis anos, um caminhoneiro foi encontrado morto na zona rural de Dom
Macedo. A atual delegada titular do município, Silvânia Campos Sobral,
acredita que aquele foi um caso de assassinato, mas o delegado
responsável pelo inquérito na época entendeu o caso como latrocínio
(roubo seguido de morte).
Ilhas
Felizmente, Dom Macedo Costa não é a única cidade na Bahia com índice de homicídios nulo. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, em 43 municípios não ocorreram assassinatos nem em 2011 nem em 2012.
Felizmente, Dom Macedo Costa não é a única cidade na Bahia com índice de homicídios nulo. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, em 43 municípios não ocorreram assassinatos nem em 2011 nem em 2012.
O CORREIO entrou em contato com as 43 delegacias
locais e verificou que, até 30 de novembro deste ano, 18 cidades se
mantinham como recantos de tranquilidade. Além de Dom Macedo, a
violência letal passa longe de Catolândia, Cravolândia, Feira da Mata,
Firmino Alves, Ibiassucê, Jiquiriçá, Lagoa Real, Lajedo do Tabocal,
Lamarão, Licínio de Almeida, Malhada de Pedras, Palmeiras, Pindaí, Rio
do Antônio, São Domingos, Urandi e Wagner.
Em Feira da Mata, a 964 quilômetros de Salvador, o
último homicídio foi em 2004, segundo policiais da 24ª Coordenadoria do
Interior (Coorpin), em Bom Jesus da Lapa. O mesmo não se pode dizer de
Mirante, 471 quilômetros distante da capital. Ali, o último assassinato
também havia sido em 2004, mas houve um caso em novembro passado.
Em Jiquiriçá, movimento só cresce quando os turistas chegam em busca da cachoeira
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No
Recôncavo, Dom Macedo Costa não está sozinha. Jiquiriçá, a 252
quilômetros de Salvador, não tem qualquer homicídio há seis anos. O
último foi um duplo assassinato que vitimou pai e filho.
Para o prefeito Valdemar Andrade Filho, isso é prova de que a população da cidade é tranquila. Lá, vivem 14.118 pessoas, segundo o IBGE.
Para o prefeito Valdemar Andrade Filho, isso é prova de que a população da cidade é tranquila. Lá, vivem 14.118 pessoas, segundo o IBGE.
“Todo mundo se conhece, ninguém tem essa coisa por
tirar a vida do outro”, diz. “Aqui a gente fica de porta aberta”,
completa o secretário da Administração, Ronaldo da Cruz, que garantiu
não haver mendigos, pedintes ou crianças nas ruas, o que foi notado pelo
CORREIO pelo menos enquanto esteve na cidade.
Em Dom Macedo, o comportamento dos moradores vai
além. O pastor João Batista dos Santos, 70, diz que as pessoas andam na
rua de madrugada e até dormem de portas e janelas abertas. “Aqui,
ninguém rouba nem um ovo de galinha”, garantiu outro morador, Juarez
Martiniano.
O prefeito José dos Santos Fróes também ressalta a
tranquilidade do povo e comemora a “falta de vocação para o crime”. Os
dois únicos presos da cidade estão no xadrez por conta da Lei Maria da
Penha e brigas de rua, principais motivos de detenções por ali.
Em Jiquiriçá, a gerente de uma loja afirma que até
roubos são raros, apesar das últimas ocorrências em residências de dois
bairros: Pindoba e Flamboyants. “Aqui já até perderam o malote de
dinheiro no caminho do banco, mas roubar, nunca roubaram”.
Na delegacia da cidade, o CORREIO encontrou um
escrivão e dois servidores cedidos pela prefeitura. E só. Lá, não há
delegado titular há mais de um ano. Quem cuida da cidade são dois
policiais militares, um policial civil e o trio da delegacia,
coordenados pela delegada titular da cidade de Ubaíra, Aline Cristina
Nogueira.
Equipe
Para ela, os baixos índices de criminalidade em Jiquiriçá resultam de um trabalho que não é só da polícia. “Segurança pública é trabalhar em equipe: padre, pastor, prefeito, vereador, juiz, promotor, líder comunitário. Todo mundo é importante para isso”, observa. Ela lembra que a cidade não tem um histórico violento e que o trabalho de palestras nas escolas ajuda.
Para ela, os baixos índices de criminalidade em Jiquiriçá resultam de um trabalho que não é só da polícia. “Segurança pública é trabalhar em equipe: padre, pastor, prefeito, vereador, juiz, promotor, líder comunitário. Todo mundo é importante para isso”, observa. Ela lembra que a cidade não tem um histórico violento e que o trabalho de palestras nas escolas ajuda.
Já em Dom Macedo Costa, o efetivo da PM é de dez
homens, enquanto apenas um escrivão e uma funcionária cedida pela
prefeitura atuam na delegacia, junto à titular Silvânia Campos Sobral.
Para ela, o trabalho de combate ao tráfico de drogas nas divisas com
outros municípios ajuda a reduzir as ocorrências.
“Esta é a quarta menor cidade da Bahia, mas tem
muita cidade pequena que sofre com a criminalidade. Os homicídios se
relacionam com o tráfico. Para combater o homicídio, a gente tem,
primeiro, que combater o tráfico”.
Esta é a segunda vez que ela está à frente da
delegacia da cidade. Entre 2002 e 2007, nenhum homicídio foi registrado.
De 2011 para cá, também não. Mas Silvânia diz que Dom Macedo Costa já
foi mais tranquila. “Na primeira vez, a gente tinha uma média de dez
inquéritos por ano. Hoje, fica entre 20 e 25”, conclui.
Qualidade de vida cativa moradores das cidades
Morador de Jiquiriçá há 28 anos, o professor Marcos Emanuel Machado, 30 anos, não pretende deixar a cidade. “Só se for para trabalhar. Por moradia, não. Eu tenho uns parentes de Feira de Santana que estão querendo vir para cá”, contou. O único problema é a falta de cursos superiores na cidade, que atrai visitantes para o ecoturismo.
Morador de Jiquiriçá há 28 anos, o professor Marcos Emanuel Machado, 30 anos, não pretende deixar a cidade. “Só se for para trabalhar. Por moradia, não. Eu tenho uns parentes de Feira de Santana que estão querendo vir para cá”, contou. O único problema é a falta de cursos superiores na cidade, que atrai visitantes para o ecoturismo.
Alessandra e Emanuel adoram sossego de Jiquiriçá
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A
estudante Alessandra França, 18, diz que os policiais sequer têm
trabalho na cidade. “A não ser no final de semana, quando eles são
mandados para a cachoeira. Aqui é tudo muito tranquilo”. Segundo o
prefeito de Jiquiriçá, Valdemar Andrade Filho, a Cachoeira dos Prazeres
recebe centenas de turistas nos finais de semana, principalmente no
Verão, o que exige mais policiamento.
Em Dom Macedo Costa, também parece não faltar
qualidade de vida. O vereador Juraci Santos conta que existe uma
população flutuante no município, formada por quem trabalha na vizinha
Santo Antônio de Jesus, de 99.407 habitantes. “Muita gente trabalha lá,
mas mora aqui, pela tranquilidade, pelo clima, pela qualidade de vida”.
Estado tem 141 cidades sem titulares na delegacias territoriais
De acordo com a Polícia Civil, dos 417 municípios do estado, há 141 sem delegados titulares, como é o caso de Jiquiriçá. A previsão é que, a partir do ano que vem, os 100 aprovados no último concurso comecem a ser chamados.
De acordo com a Polícia Civil, dos 417 municípios do estado, há 141 sem delegados titulares, como é o caso de Jiquiriçá. A previsão é que, a partir do ano que vem, os 100 aprovados no último concurso comecem a ser chamados.
No momento, o processo seletivo se encontra em fase
de entrega de documentos. No ano que vem será feito o treinamento e a
capacitação pela Academia de Polícia Civil (Acadepol). Os municípios com
maior déficit terão prioridade, segundo a Polícia Civil. Das 27 cidades
que integram a 4ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin/Santo
Antônio de Jesus), além de Jiquiriçá, São Miguel das Matas também está
sem titular na delegacia.
Sem titular, Delegacia de Jiquiriçá tem apoio da delegada de Ubaíra
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Quando
é preciso, o reforço chega das cidades vizinhas. Quando o CORREIO
visitou as cidades, o delegado estava de férias e era substituído pela
colega Aline Cristina Nogueira, de Ubaíra.
O coordenador da 4ª Coorpin, delegado Paulo Roberto
Guimarães, ficou satisfeito ao saber que duas cidades da região não
registram homicídios há quase três anos, mas pediu reforço. “Jiquiriçá é
uma cidade com menor número de ocorrências, então pedi ao delegado de
lá para vir para cá, que precisa mais”.