Há uma nuvem sobre São Paulo. Ela sai do cigarro eletrônico, engenhoca
criada para substituir a queima de tabaco e cuja venda e importação são
proibidas no país em razão das incertezas de seus efeitos na saúde.
Mesmo assim, já pode ser visto sendo utilizado em restaurantes, bares e
baladas da cidade.
"Fumo em todo lugar desde que trouxe de Los Angeles, há um ano", diz a
empresária Cristina Nabil, 53, com um modelo da marca americana Blu em
punho. "Aprendi lá que não faz mal para quem está perto, então é OK
fumar num restaurante."
Não é bem assim. Há poucos estudos realizados. Em um deles, efetuado há
seis meses nos Estados Unidos, mostra que o vapor emitido contém
substâncias cancerígenas, ainda que em quantidades menores em relação ao
cigarro comum (veja quadro na pág. 31).
Seja como for, Nabil diz ter convencido as duas melhores amigas a
aderirem à novidade, com a qual nunca passou por problemas. A não ser
uma vez, quando funcionários de uma loja de bolsas na rua Oscar Freire,
zona oeste, pediram que apagasse a geringonça ou saísse para fumar.
"Respondi que não era apagar, e sim desligar, e que em Paris sempre
compro fumando. Não adiantou. Ê, Brasil!" Saiu da loja na promessa de
"nunca mais voltar".
O DJ Flavio Romão, 33, ficou quatro meses em lua de mel com o seu
modelo, comprado em Nova York. "Optei por causa da saúde. E melhorou:
não tive pigarro nem fiquei passando mal por fumar muito."
Retornou ao cigarro de papel faz pouco por não achar no país o líquido
com nicotina necessário para a recarga de sua máquina. Romão diz que, no
período, fumou em baladas em Pinheiros e no centro. "Usei tranquilo,
ninguém me encheu."
Para o empresário Anderson Ribeiro, 35, o "e-fumo" foi um degrau entre o
vício e a abstinência. "Comecei a usar e acabei largando o normal." Ele
diz que, sem a obrigação de "matar" um cigarro inteiro a cada vez que
fumava, diminuiu a quantidade aos poucos.
A coordenadora da área de cardiologia do Programa de Tratamento do
Tabagismo do InCor, Jaqueline Scholz Issa, é entusiasta do uso do
cigarro eletrônico como uma terapia de redução de danos.
"É um produto para o indivíduo que não consegue parar de fumar ter um
cigarro menos tóxico. Mas, por conter nicotina, não é uma forma de
tratar a dependência." A médica, no entanto, pondera: "Mesmo com
concentrações menores, não é possível avaliar o impacto disso na saúde".
Com a capacidade de levar nicotina ao cérebro de maneira rápida, os
eletrônicos funcionam como um cigarro comum. Porém, sem a combustão do
tabaco e substâncias químicas, como o alcatrão.
A falta de certezas produz situações delicadas. Quando ainda fumava o
eletrônico, Anderson Ribeiro foi repreendido em alguns lugares. "Tem
gente que fica ofendidíssima. É como se eu estivesse violando o espaço
que os não-fumantes conquistaram", diz ele.
"Agora, entro no shopping fumando Blu e ninguém pode falar nada. Parece
uma caneta e [os seguranças] não sacaram", conta a artista plástica
Patricia Mariani, 56. Ela ganhou o eletrônico da filha neste mês. E o
objetivo, ressalta, é reduzir o consumo do cigarro tradicional.