Moro perto de um colégio e é possível observar de minha casa alguns
alunos e professores esperando (e esperam muito!) seu transporte na hora
da saída, em um ponto de ônibus que também fica muito perto.
Nos dias em que os protestos estavam na “crista da onda” – e a nossa
cidade se preparava para organizar o seu – um aluno, que parecia somar
uns 12 anos, chegou perto da professora, que sonhava com o seu ônibus, e
perguntou com um sorriso no rosto:
- E aí, pró, a senhora vai participar do protesto hoje?
E a professora respondendo ironicamente:
- Bom, se um dia o ônibus resolver passar irei, sim. E você?
E o aluno orgulhoso, segurando as alças de sua mochila:
- Ah, eu vou. Vou para pichar a prefeitura e xingar a polícia!
E a professora, perplexa e envergonhada, olhando para os lados e
tentando dissuadir o aluno de seu intento, começou a gaguejar, como se
ainda estivesse tentando acreditar no que acabara de ouvir.
Depois disso, fiquei pensando em qual será o legado do “O Brasil
acordou” que anda pelas ruas. Os jornais impressos, online e
televisionados bem que se esforçam para mostrar o lado politizado dos
manifestantes, assim como a indignação dos cidadãos de modo geral, mas,
ao que parece, são as cenas de vandalismo, quebra-quebra e violência que
ecoam pelas memórias e deixam marcas mais concretas.
Tenho convicção de que vale a pena protestar, de que vale a pena
gritar sempre que a dor nos aflige. Afinal, como diz a letra da música
bacana d’O Rappa, “Paz sem voz não é paz, é medo!”. Mas é preciso ter
seriedade para fazer isso, é preciso, principalmente, saber o porquê de
fazê-lo. Outro dia ouvi um repórter elogiando o fato de as manifestações
se alimentarem de uma profusão de vozes, que gritavam diferentes
coisas, e demandavam necessidades várias. Desnecessário comentar o mar
de problemas em que vivemos afundados. Mas sem objetivo claro, sem uma
partitura para seguir, a orquestra desafina. Fica difícil mobilizar a
população por inteiro, fica difícil convencer os mais ingênuos de que o
objetivo não é pichar ou xingar.
Participei do protesto contra o preço ridículo do transporte público,
quase inexistente na cidade, e pude reparar vários adolescentes que se
produziam, se arrumavam para encontrar os amiguinhos e tirar foto para o
Face, em clima de festinha. Perto de mim, vi uma menina ser
entrevistada para uma Rádio local, que cobria o protesto em tempo real.
Perguntada sobre o motivo que a teria levado à rua, ela respondeu: “Tava
em casa, aí uns amigos me chamaram para participar e eu vim.” O
repórter, insistindo, perguntou contra o que ela protestava e a garota
disse: “Sei lá, contra tudo. Acho que é importante vir”. Um jornal da
Rede Globo mostrou gente protestando até contra o alto preço da ração
canina!!! Como assim, minha gente? E o preço do feijão?
São essas coisas que enfraquecem os movimentos. Agora, os protestos
parecem integrar a rotina das cidades. Para alguns, virou uma espécie de
happy hour ou programa de feriado. Mas tudo que vira rotina deixa de
ser interessante.
Há quem possa argumentar que os gritos das ruas foram ouvidos pelos
governantes e que algo está sendo feito. Sem dúvida que sim, e essa é a
parte boa da luta, ou melhor, é a finalidade dela. Mas temos de admitir
que “existe algo de podre” na republiqueta do Brasil. Que tipo de lógica
leva pessoas que dependem do transporte público a apedrejarem ônibus
(que já são tão poucos!), que impedem trabalhadores cansados e
explorados de voltarem para suas casas, exercendo seu regrado direito de
ir e vir?
Bom, mas o que tem me deixado realmente preocupada é o anúncio do que
parece ter sido a maior conquista do nosso esforço. Dias atrás, o
governo decidiu que quer realizar um plebiscito para que a população
vote alguns pontos da lendária reforma política. Diante da notícia do
plebiscito, desferida assim, de um só golpe, minha mãe, pessoa simples
como a maior parte da população do país, me olhou assustada e perguntou:
- Plebi o quê? O que é isso? Ai, meu Deus, agora a gente vai ter que fazer o quê? Deus nos ajude!
E eu:
- Pois, é!