Em busca de uma conexão emocional com os venezuelanos, saudosos do
magnetismo pop de Hugo Chávez, o presidente Nicolás Maduro resolveu
apelar para o romantismo de Roberto Carlos.
São as notas ao teclado de "Detalhes", em sua versão em castelhano
cantada pelo próprio Rei, que introduzem uma propaganda de Maduro.
"Detalles tan pequeños de los dos/son cosas muy grandes para olvidar",
canta Roberto. Então, surge o narrador: "Detalhes - Histórias reais
vividas na rota do ônibus da revolução", uma referência ao passado do
chavista como motorista de ônibus.
A produção de pouco mais de dois minutos conta a visita de Maduro em
abril passado a eleitores do oponente Henrique Capriles no Estado de
Amazonas, com boa parte da população indígena.
"Você é igual a mim. Eu sou igual a você. Sou operário como você", diz
Maduro, de cocar, a duas eleitoras. "Não importa a raiva que vocês
tenham do governo. Estamos aqui para proteger vocês."
Uma delas rebate: "[Raiva] de Chávez não, ouviu?", numa demonstração de
um problema para o herdeiro na campanha e no governo: os chavistas
repetem que apoiavam o presidente morto em março, mas não parecem tão
dispostos a perdoar as falhas do governo chavista.
O vídeo termina com a decisão do presidente venezuelano de entregar uma nova casa às mulheres.
A propaganda foi exibida no canal estatal VTV há duas semanas, já depois
da apertada vitória sobre Capriles por 1,49% dos votos. Está disponível
no canal oficial da Presidência da Venezuela no YouTube, que se refere à
produção como parte de uma série de vídeos.
Além da voz de Roberto, o canal celebra outra participação brasileira, a
do escritor Paulo Coelho, que enviou um conjunto de livros a Maduro, um
seguidor do guru indiano Sai Baba, em abril.
"A lealdade é uma pérola entre os grãos de areia que só os que realmente
entendem o seu significado podem ver", lê Maduro, citando Coelho, nas
imagens.
SEM AUTORIZAÇÃO
Questionada, a assessoria jurídica do cantor Roberto Carlos informou à
Folha que a utilização de "Detalles" "não foi autorizada".
"Fizemos a notificação jurídica a ser enviada via escritório da
Venezuela, à qual se seguirão as medidas indenizatórias pelo uso
indevido da obra", afirmou o advogado Marco Campos.
Segundo ele, o cantor brasileiro não costuma autorizar a utilização de músicas suas para fins políticos.
Não é a primeira vez, no entanto, que a TV estatal usa uma canção de Roberto.
Em fevereiro, peça embalada com "Amigo" falava da amizade dos "irmãos de
luta" Evo Morales, presidente da Bolívia, e o então convalescente
Chávez.
A assessoria da Presidência da Venezuela não havia respondido aos
pedidos de informação sobre o tema até o encerramento desta edição.
A empresa Pólis, de João Santana, informou que o marqueteiro brasileiro
não tem vinculação com "Detalles". Santana não trabalhou na campanha de
Maduro, mas dirigiu o depoimento de Luiz Inácio Lula da Silva em apoio
ao chavista e autorizou o uso de peças produzidas por ele para Chávez em
2012.