sábado, 4 de agosto de 2012

Procurador-geral pede a prisão de 36 réus do mensalão


Roberto Gurgel também voltou a reafirmar que Dirceu era mentor do esquema



Gurgel pediu a prisão de 36 réus do caso do mensalão
Foto: STF / Carlos Humberto
Gurgel pediu a prisão de 36 réus do caso do mensalão STF / Carlos Humberto
BRASÍLIA E RIO - Nas alegações finais do segundo dia de julgamento do mensalão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a prisão imediata de 36 dos 38 réus do caso, logo após a conclusão do julgamento. Nas alegações finais, ele solicitou a absolvição de Antônio Lamas e Luiz Gushiken, por “insuficiência de provas”. Durante a sessão realizada nesta sexta-feira, Gurgel também reafirmou que José Dirceu era o líder do esquema de corrupção. (Confira como foi a cobertura em
- A Procuradoria Geral da República, no exercício de sua função, comprovou a acusação que fez contra 36 dos acusados Em relação a dois, nas alegações finais, pedimos absolvição por insuficiência de provas. Mostramos graves crimes que foram cometidos, suficiente para condenação. Jamais um delírio foi tão materialmente documentado. (...) A Procuradoria Geral da República requer desde já a expedição dos mandados de prisão cabíveis imediatamente após a conclusão deste julgamento - disse.
Gurgel terminou suas alegações finais com um trecho da música “Vai passar”, de Chico Buarque ( “Dormia a nossa Pátria Mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”).
“José Dirceu foi o mentor da ação”
Foram mais de cinco horas de sessão. Logo no início, o procurador voltou a falar que José Dirceu era o “mentor” do esquema.
- José Dirceu foi o mentor da ação do grupo e seu principal protagonista - disse, ressaltando que “nada acontecia sem o consentimento” do petista. Segundo o procurador, “Dirceu está rigorosamente em todas”.
Sílvio Pereira, Delúbio Soares e José Genoino também foram citados pelo procurador como membros do núcleo político do esquema.
- Genoino representava Dirceu e formulava as propostas de acordo com os partidos. Mesmo negando ter feitos acordos financeiros, ele assumiu que se reuniu com o PP para tratar de alianças políticas - disse, ressaltando que Genoino “avalizou supostos empréstimos em valores milionários tomados por Marcos Valério nos bancos”.
Quanto a Delúbio Soares, Gurgel falou que ele era o elo entre o núcleo político, comandado por “José Dirceu, e operacional e financeiro, operados por Marcos Valério”.
Valério era o ‘cabeça’ do núcleo operacional
Valério é apontado por Gurgel como o “cabeça” do núcleo operacional do esquema do mensalão. Ele era presença garantida nas negociações de doações de campanha para o PT.
Segundo o procurador, o publicitário se tornou um articulador do grupo político e intermediou encontros entre empresas e o governo federal.
- As empresas de Marcos Valério abrigavam recursos com absoluta segurança - relatou o procurador. Simone Vasconcelos, diretora administrativa e financeira da SMP&B, também foi citada pelo procurador:
- Há relevantes documentos nos autos sobre o papel que (Simone) exercia no esquema financeiro. Cabia a Simone a função de entrar em contato com os destinatários dos valores informando que os valores estavam disponíveis. Em certas ocasiões, ela teve que contratar carros fortes para o transporte dos recursos. Em certa ocasião, um carro forte levou R$ 650 mil reais para o prédio onde funcionava a sede da SMP&B em Brasília.
Entre as articulações de Valério estaria a feita com o PTB, segundo explicou Gurgel:
- O PTB tinha a perspectiva do pagamento de R$ 20 milhões, ajustado com José Dirceu, que ocorreu o acerto da viagem de encontro entre Marcos Valério e o presidente da Portugal Telecom. Roberto Jefferson, apesar de seus esforços, não conseguiu receber os R$ 16 milhões restantes.
Núcleo financeiro era operado pelo Banco Rural
O procurador disse que a diretoria do Banco Real era responsável pelo núcleo financeiro do esquema do mensalão.
- O banco não tinha preocupação em receber os empréstimos, e os tomadores não tinham preocupação em pagar. (...) O banco viabilizou a distribuição dos recursos sem comunicar aos órgãos de controle o destinatário final. Empréstimos foram concedidos sem a exigência de pagamento por quem quer que fosse. Nem a empresa de Marcos Valério, nem PT, nem avalistas dos contratos deram garantidas que poderiam ser qualificadas como razoáveis ou aceitáveis - explicou o procurador em seu parecer.
O procurador complementou: - Perícias comprovam que os parlamentares receberam pessoalmente vultuosos valores em dinheiro obtidos em esquema de lavagem feita por Marcos Valério e seu grupo, assim como o Banco Rural.
Gurgel explicou que, para fugir das denúncias, os parlamentares articularam tese conjunta de que não houve pagamento de vantagem para que votassem a favor do governo federal:
- Para eles, tudo não se passou de inocentes acordos. No entanto, eles não conseguiram apresentar nenhum argumento sustentável justificando por que os acordos envolviam sempre entrega de dinheiro em espécie por meio de esquema ilícito de lavagem.
“Condições fisiológicas”
O ministro Ayres Britto pergunta se Gurgel poderia fazer uma pausa. Como o procurador-geral pretendia continuar, o ministro Marco Aurélio alegou que os julgadores não teriam “condições fisiológicas” de esperar muito. Entre risos, a sessão foi suspensa por meia hora, e voltou por volta das 17h20. Gurgel voltou a ler a acusação dos réus.
Logo após terminar as acusações sobre o crime de formação de quadrilha, Gurgel disse:
- Se o dinheiro (recebido por João Paulo Cunha de Delúbio Soares) era lícito e pertencia ao PT, nada mais lógico que fosse transferido pelo sistema bancário. Como justificar que absolutamente tudo era sempre feito desse modo escuso? Se o dinheiro era do PT, não havia justificativa para um cheque emitido pela SMP&B. Há inúmeras referências na literatura especializada sobre o emprego de parentes para o recebimento de dinheiro (de corrupção).
Sobre o desvio de recursos do Banco do Brasil (episódio Visa Net), Gurgel afirmou que o diretor de Marketing do banco, Henrique Pizolatto, desviou dinheiro público.
- Os recursos que viabilizaram o esquema foram obtidos pelo Banco Rural. Outra parte, entretanto, foi o desvio de recursos públicos. Comprovou-se que Henrique Pizolatto, na condição de diretor de marketing do Banco do Brasil, desviou entre 2003 e 2004 o valor de R$ 73 milhões oriundos do Fundo de Investimentos da Visa Net. (...) A gestão de Henrique Pizzolatto foi marcante por dois aspectos. Primeiro lugar, alterou os formatos do repasse via Visa Net, e, em segundo lugar, porque concentrou os repasses às empresas de marketing de Marcos Valério.
Duda Mendonça assumiu titularidade dos recursos
De acordo com o procurador, Delúbio Soares determinou a Marcos Valério que procedesse o pagamento de dívidas de R$ 11 milhões contraídas com Duda Mendonça e Gilmar Fernandes durante a campanha eleitoral de 2002. A partir dessa determinação, Marcos Valério teria assumido o pagamento da dívida, passando a tratar o assunto com Gilmar Fernandes. A primeira parcela da dívida foi paga em fevereiro de 2003.
- Duda Mendonça e Gilmar Fernandes exigiram que o valor fosse depositado em conta no exterior. Para isso abriram empresa offshore nas Bahamas. Utilização de empresas para este fim constitui lavagem de dinheiro. Após divulgação pública, Duda Mendonça assumiu titularidade dos recursos. Ao contrário do que afirmada em suas defesas, a exigência de depósito no exterior foi feita por eles, e não por Marcos Valério.
Pedida a absolvição de Gushiken e Lamas
Ele ainda sustentou que o crime de corrupção não exige um ato de ofício. Gurgel começou a explanação com análises dos pensadores Raimundo Faoro, Max Weber, Norberto Bobbio e Maquiavel, entre outros, para mostrar que o grupo, supostamente chefiado por Dirceu, adotou a “ética de resultados” para financiar projetos políticos e pessoais com recursos públicos. O procurador descreveu a participação de cada um dos 38 acusados de envolvimento do mensalão, conforme a denúncia original. Pediu a absolvição de Luiz Gushiken e Antônio Lamas, por falta de provas.
O procurador sustenta ainda que, logo depois da ajuda financeira, Dirceu abriu as portas da Casa Civil para a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello. O banco estava de olho na liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco. Em nota, o banco disse que as acusações do procurador são infundadas.
Pelas acusações do procurador-geral, José Genoino e Delúbio Soares fizeram acordos políticos com o PTB, de Roberto Jefferson, e o PL, de Valdemar Costa Neto, entre outros partidos, com a supervisão de Dirceu. Em depoimentos durante a investigação, Jefferson, Emerson Palmiere, ex-dirigente do PTB, Genoino e Delúbio sempre ligavam para Dirceu para avisar ao chefe sobre os resultados das reuniões do grupo com aliados políticos. Genoino e outros acusados disseram que os acordos eram políticos e não comerciais. Isso eliminaria o caráter ilegal das transações. Gurgel rejeitou as explicações.
Ex-presidente da Câmara e atual candidato à prefeitura de Osasco (SP), o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) foi um dos réus que mais receberam atenção de Gurgel. Por mais de 20 minutos, o procurador geral falou das três acusações contra o petista.
Segundo Gurgel, Cunha recebeu vantagem indevida para que uma das agências de Valério ganhasse a conta de publicidade da Câmara. Além disso, usou a empresa de Valério para que ela subcontratasse outra empresa. Oficialmente, ela prestaria serviços para a Câmara, mas na prática trabalhava para o próprio Cunha.