Portaria segue as diretrizes do STF no julgamento da reserva Raposa/Serra do Sol, diz instituição
Portaria da Advocacia-Geral da União publicada ontem no "Diário Oficial da União" prevê que o poder público faça intervenções em terras indígenas sem a necessidade de consultar índios ou a Fundação Nacional do Índio.
Segundo a AGU, em respeito à "soberania nacional", será possível construir bases militares, estradas ou hidrelétricas em áreas demarcadas "independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai".
A Constituição e convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Declaração da ONU para os Povos Indígenas, preveem consultas aos índios sobre qualquer atividade que os afetem.
O artigo 231 da Carta afirma: "O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos [...] em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso, ouvidas as comunidades afetadas".
A ausência de consulta aos indígenas é hoje uma das principais queixas na construção da usina de Belo Monte (PA). Esse é o principal argumento do Ministério Público para paralisar a construção da hidrelétrica.
A portaria também veda a reavaliação do tamanho de terras indígenas demarcadas, salvo quando ficar comprovado erro jurídico no início do processo de demarcação.
Em outro artigo, a norma da AGU diz que o "usufruto da riqueza do solo, dos rios e dos lagos" em terras indígenas "pode ser relativizado sempre que houver interesse público da União". Já a Constituição, no artigo 231, diz que os índios têm "usufruto exclusivo" sobre essa riqueza.
Segundo a AGU, a portaria tem o objetivo de "uniformizar" a atuação jurídica do Executivo seguindo as diretrizes estabelecidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no emblemático julgamento que o tribunal fez, em 2009, da demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol, no norte de Roraima.
À época o STF não estipulou que o caso devesse valer para todas as demais reservas do país, mas a AGU entendeu que seu exemplo era útil para criar "parâmetro" e "segurança jurídica", como disse à Folha o ministro Luís Inácio Adams. "A portaria basicamente repete e respeita a decisão do STF", afirmou.
Para Raul do Valle, advogado do ISA (Instituto Sócio Ambiental) especializado em questões indígenas, a portaria tem um "gene autoritário" e que certamente gerará distorções: "O texto diz claramente que não se deve respeitar o direito dos índios". Adams afirma que a portaria da AGU "defende e respeita os índios", mas, "se for para escolher um valor, deve prevalecer a defesa nacional".