A sociedade não está preparada para ver um beijo entre pessoas do mesmo sexo, mas está pronta para ver um gay ser assassinato cruelmente a chutes e pontapés no horário nobre. Esta parece ser a conclusão da Globo após exibir a morte de Gilvan (Miguel Roncato) em “Insensato Coração”, no capítulo desta quinta-feira (4/8).
Antes de ser vítima de uma gangue homofóbica, o garoto morava nas ruas, pois fugiu de casa depois de seguidas agressões de familiares, causadas por sua orientação sexual. Acolhido por Sueli (Louise Cardoso), mesmo assim não escapou da violência. Acabou morto sem piedade. “Vim te ensinar a ser homem”, afirmou Vinícius (Thiago Martins), o líder da quadrilha, antes de iniciar a série de agressões que terminou com a morte de Gilvan.
A reação dos telespectadores nas redes sociais foi imediata. Diversos usuários do Twitter protestaram contra a decisão da Globo de proibir o romance entre pessoas do mesmo sexo em sua teledramaturgia, mas não ter qualquer pudor ao levar ao ar um assassinato cruel.
Apesar de ser uma obra de ficção, nada é mera coincidência. “Insensato Coração” possui semelhanças com acontecimentos reais. No mesmo dia em que um gay foi assassinado na novela, um rapaz foi agredido em plena luz do dia por um grupo de rapazes na avenida Gomes Freire, no centro do Rio de Janeiro. A vítima relatou para a polícia que os agressores acharam que ele fosse homossexual.
É louvável o esforço de Gilberto Braga e Ricardo Linhares ao tratar do assunto. Os autores buscam transgredir os limites impostos pela Globo. Já que não podem exibir cenas de amor, os responsáveis por “Insensato Coração” mostram as conseqüências da censura e da ignorância.
Acredito que a morte de Gilvan é o primeiro ato de repúdio dos autores. Segundo o jornalista Leo Dias, o casal Eduardo (Rodrigo Andrade) e Hugo (Marcos Damigo), após praticamente sumir da novela por determinação da emissora, será assassinado na última semana de “Insensato Coração”. Eles serão vítimas de Vinícius, que sem pudor dirá: “viado bom é viado morto!”.
De acordo com Alberto Pereira Jr., colunista do jornal “Agora São Paulo”, parte da produção da novela aprova o final trágico do casal gay. Pessoas envolvidas com a produção acreditam que o desfecho impactante sirva de denúncia contra a censura e os cortes de cenas a pedido da direção da Globo.
Espero que o recado de Gilberto Braga e Ricardo Linhares não seja captado apenas pela emissora, mas também pelos telespectadores. A proibição de romances entre pessoas do mesmo sexo não é ideológica, mas sim comercial. Há o receio que os anunciantes fujam de produções que exibam relações gays.
Porém, se há empresas que ainda mantém este pensamento anacrônico, há tantas outras cientes do alto poder de influência e de consumo da comunidade gay – e dos milhares de heterossexuais despidos de preconceito. Que as empresas homofóbicas fujam para sabermos quem são e boicotarmos seus produtos.
Repetitivo, mas necessário, dizer que esta crescente onda preconceituosa é fruto da falta de informação. Diante deste fato, é lamentável que a principal emissora de televisão do país prefira calar seus autores, diretores e atores. Ela, que tanto influencia os brasileiros no modo de vestir e de falar, poderia prestar um serviço ao mostrar que “o carinho e o beijo não são proibidos, contra lei é impedir um afeto, um abraço”, como disse Chicão (Wendell Bendelack), há algumas semanas.