... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira
vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao
calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho
tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava
enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu
encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um
luxo radioso de sensações!
Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os
transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de
agosto em que o estio faz uma pausa; há prematuramente, no calor e na luz, uma
certa tranqüilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de
leve; o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma
nitidez lavada; respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o
abatimento mole da calma enfraquecedora. Veio-lhe uma alegria: sentia-se ligeira,
tinha dormido a noite de um sono são, contínuo, e todas as agitações, as
impaciências dos dias passados pareciam ter-se dissipado naquele repouso.
Foi-se ver ao espelho.
Eça de Queirós