Desde então, tanto o amor quanto o desassossego com uma eventual morte
do "rei" foram despertados em Simone Oliveira, 56 anos. Na casa dela, o
marido e os três filhos já sabem: Natal, aniversário dos familiares e do
Roberto Carlos são datas sagradas, assim como a cor marrom é proibida.
Há 15 anos, anualmente, a dona de casa organiza jantares para o ídolo.
Nenhum membro da família está autorizado a se ausentar no dia. "Eles já
sabem", reforça.
"Gosto tanto dele que não tinha por que não
festejar seu aniversário. Acho importantes as datas comemorativas. Tenho
certeza que ele sabe que aqui [casa] acontece uma homenagem. A alma
dele está aqui. Sinto realmente que estou cozinhando para ele", afirma a
fã, que gasta em média R$ 500 por jantar e disponibiliza ao menos duas
opções de pratos no cardápio, que ela acredita serem do agrado de
Roberto. "Li uma vez em uma revista que ele era apaixonado por uma carne
assada que a Lady Laura [mãe do cantor] fazia."
O convite para
o evento, que costuma reunir até dez pessoas, é disputado entre os
vizinhos do conjunto habitacional Cohab 1 do bairro de Artur Alvim, zona
leste de São Paulo, mas apenas os "mais íntimos" são chamados.
Arquivo Pessoal
Simone e o marido Leonardo durante comemoração de 76 anos de Roberto Carlos
Apesar de ter dois espaços externos em seu sobrado, Simone faz questão
que a comemoração regada a vinho e sob os olhares de Roberto Carlos
estampado na parede ocorra em sua pequena sala de jantar, com as
melhores louças e talheres. "É mais à altura dele. Não dá para ser na
garagem como acontece com as outras [referindo-se às festas de
familiares e, inclusive, seu aniversário]. Por isso, a cada ano convido
um pessoal para alternar", explica.
A reportagem do UOL
conversou com moradores do bairro e comprovou a repercussão da
solenidade. "A rua inteira sabe disso, não pode nem ir de chinelo",
conta aos risos a vizinha de muro Valquíria, que ainda não teve a honra
de ser convocada para o "jantar do rei".
Com lugar reservado na
celebração, Regina Biazotto confessa que de início estranhava a atitude
da amiga. "Achava esquisito ter um jantar para um cantor cozinhar até o
que o homem gosta de comer, e ele não aparecer. E você tem que ir bem
arrumado, de salto", diz a dona de casa enquanto relembra o último
deles: "Comi tanto, estava tão gostoso".
Para o filho Wilian,
os jantares não tem a ver com fanatismo, mas com um "hobby", um
"capricho" da mãe já enraizado nos costumes dos Oliveiras. "No início, a
gente achou que era brincadeira, mas depois ela passou a tratar como se
o Roberto estivesse aqui. Então, colocamos a melhor roupa, de
preferência azul e branco, e comemos, comemoramos igual no Natal, no
aniversário do meu pai, dos meus irmãos. Sabemos até as letras das
músicas".
Poupança do último adeus
Se a vida de
Roberto Carlos já merece ser celebrada, a morte do ídolo também faz
parte dos planos de Simone. Quando o dia chegar, ela, parentes e amigos
já projetam como irão se revezar na fila (comum em eventos de grande
repercussão) destinada aos fãs. Habituada com planejamentos, ela cita
sua "maior preocupação": não ter uma reserva para custear os gastos com
passagens, alimentação e hospedagem.
Já que o óbito é tratado como fato, o local do enterro também é certo. "Acho que será tudo no Rio de Janeiro", diz.
Casada há 32 anos, a mineira se orgulha ao falar das economias e do
orçamento doméstico sadio que ela e Leonardo mantêm. No entanto, deixa
claro que apenas um motivo a faria se divorciar: "não ter uma
reservinha". "Nem sempre posso ir aos shows, mas se acontecer algo com o
rei, quero estar lá. Se não tiver dinheiro guardado e ele se negar a
pedir empréstimos, juro para você, me separo. É a única coisa que me
preocupa", afirma.
"Não é que eu me prepare. Tenho medo de
viver isso. Se pudesse escolher, preferiria ir antes, mas também não
quero ser pega desprevenida. É uma coisa da idade, né? O ser humano
morre. A vida inteira sonhei em conhecer o Roberto. Se não conseguir,
neste momento de tristeza quero estar lá perto", justifica.
Enquanto o fatídico dia não chega, a fã segue com suas superstições que
vão desde de pintar as paredes da casa para eventos que envolvem o
músico até assistir aos shows pela TV em silêncio. Assim como os
jantares de aniversário, as apresentações de fim de ano do cantor também
seguem um ritual especial. "Fico só esperando a Globo anunciar para eu
ver a roupa que ele está vestindo. Aí, eu compro a minha na mesma cor.
Tem que combinar. É um amor de alma", afirma ela, que mantém
religiosamente o hábito de adquirir peças, incluindo lingeries, novas
duas vezes ao ano –abril e dezembro, meses dos evento