Índios da Amazônia têm loteado e "alugado" terras para madeireiros
desmatarem e retirarem madeira de forma ilegal --e a preços módicos
Foram identificados casos em ao menos 15 áreas indígenas (no
Amazonas, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Rondônia), com base em
investigações da Polícia Federal, Ministério Público e relatos de
servidores da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Nas transações, madeireiros pagam R$ 15 pelo m³ da madeira, depois
revendida por preços na casa dos R$ 1.000, de acordo com a PF.
Além de pagamento em dinheiro, os índios também aceitam aparelhos
eletrônicos, bebidas ou até mesmo prostitutas, conforme relatos de
funcionários da Funai.
A madeira ganha aspecto de legalidade pelo uso de planos de manejo
aprovados legalmente para outras áreas. Chega assim ao mercado.
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Luciano Silva/Divulgação/Ibama |
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Serraria ilegal flagrada no entorno da área de Anambé, no Pará, em 2011 |
Fora da Amazônia, a prática é menos comum, por haver menos madeira disponível com interesse comercial.
As terras indígenas representam 21,2% da Amazônia Legal. Dados do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apontam que o desmatamento
ainda não chegou a grandes proporções nessas áreas --atingiu até agora
1,29%.
Além da madeira, também existem investigações sobre o envolvimento de índios na extração de minério.
SEM CONTROLE
Na terra indígena Anambé, em Moju, no Pará (a 266 km de Belém),
relatório da Funai diz que os índios, após alugarem parte do território a
madeireiros, acabaram perdendo o controle sobre a área.
Tarso Sarraf/Folhapress |
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A índia Maria Anambé, que se diz contra o desmatamento |
O posto da fundação que ficava no local foi abandonado após um
funcionário ter sido ameaçado por madeireiros. O local será reativado.
Uma das índias afirmou que a maioria dos índios era contra o
loteamento. "A gente tenta mostrar que o desmatamento não é bom para
nós. Mas mesmo assim tem muitos que vendem [a madeira]. Dinheiro vicia a
pessoa", disse Maria Anambé, 36.
Relatórios de fiscalização apontam que a madeira do local é levada para
Tailândia, polo madeireiro do sudeste do Pará e que foi alvo, em 2008,
da Operação Arco de Fogo, do Ibama e da PF.
Em Mato Grosso, a PF detectou o problema em 2007 no Parque Nacional do Xingu, uma das maiores áreas indígenas do mundo.
A Justiça Federal chegou a bloquear bens de madeireiros. A decisão dizia
que os índios "não só foram aliciados para facilitar a ação [...] como
se tornaram agentes ativos e destacados na extração e comercialização de
madeiras".
Em Rondônia, o líder indígena Almir Suruí, da terra Sete de Setembro,
diz que já informou a Funai sobre a conivência de moradores de algumas
das 25 aldeias da área.
"Eles falam que não podem mandar fiscalização porque tem índio
envolvido. Se tem, para mim é bandido como quaisquer outros. Além de
roubar o próprio povo, rouba um bem da União."
OUTRO LADO
A Funai diz que está atuando "intensamente" no combate à extração ilegal
de madeira em terras indígenas, com ações de fiscalização e de
capacitação.
O setor de monitoramento territorial da fundação afirma que, quando
identifica a conivência de índios nesse tipo de atividade, desenvolve
"alternativas econômicas sustentáveis" para que eles tenham outra fonte
de renda.
Entre essas ações estão o apoio à extração de castanha-do-pará e à produção de látex, por exemplo, além de auxílio em dinheiro.
Se essas alternativas não têm efeito, afirma a coordenação, os casos são levados à PF e a outros órgãos de segurança pública.