Ao estacionar seu carro em uma vaga para deficientes físicos na cidade
gaúcha de Canoas (17 km de Porto Alegre), na região metropolitana, Régis
Quadros, 32 anos, que não tem as duas pernas e necessita de próteses
para caminhar, não esperava que fosse multado. Ao retornar para o
veículo, cerca de 30 minutos depois, ele se deparou com uma agente de
trânsito que lhe apresentou a autuação.
Mesmo de bermuda e com
as próteses à mostra, Quadros recebeu a multa de R$ 293 e 7 pontos na
CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Inconformado com o ocorrido, ele
publicou uma foto do momento da autuação em seu perfil no Facebook, o
que ganhou grande repercussão nas redes sociais.
Segundo ele
admite, seu carro não estava devidamente identificado como sendo
autorizado a estacionar naquele tipo de vaga. "Mas eu esperava bom senso
da agente de trânsito", reclama Quadros. Ele conta que utiliza a vaga
semanalmente há pelo menos dois meses. O local fica entre seu banco e o
consultório dentário que frequenta.
"Há uns quatro meses, sofri
um acidente de carro e a placa de identificação, que fica no painel,
acabou se extraviando. Desde então, vinha deixando para solicitar uma
nova identificação, mas acabava esquecendo", conta.
Apesar de reconhecer sua falha, ele lamenta a intransigência da fiscal.
"Quando voltei, a agente estava lá me esperando. Pensei que quando ela
visse que eu sou deficiente, não fosse me multar. Mas nem quis me
escutar. Só queria me dizer que eu estava errado e tinha que ter a
credencial."
A discussão entre Quadros e a servidora foi
fotografada pelo cunhado do motorista. Na imagem, é possível ver as
próteses de Quadros.
Procurada, a Secretaria de Transportes e
Mobilidade de Canoas defende que não houve abuso ou falta de bom senso
por parte da agente de trânsito. "Existe regulamentação nacional que
determina a exigência de uma identificação no automóvel, que mostre que
ele é de uma pessoa com deficiência", explicou a pasta através de nota
enviada por sua assessoria de imprensa.
"Tecnicamente, o agente
de trânsito encontrou um veículo sem a credencial estacionado em uma
vaga exclusiva para uma pessoa com deficiência, o que configura infração
de trânsito. Houve diálogo com o condutor quando o mesmo retornou ao
carro, no entanto a autuação já havia sido feita", ressalta o
comunicado.
O que não consta na nota, mas que foi explicado à
reportagem por telefone, é que a agente não poderia cancelar a autuação
por tratar-se de um procedimento eletrônico - que não permitiria a
correção por parte da fiscal. O que poderia ser feito era uma observação
na multa para o caso de Quadros recorrer.
Conforme o Secretário
Municipal de Transporte e Mobilidade, Ademir Zanetti, o trabalho dos
agentes de trânsito na cidade tem como prioridade a orientação dos
motoristas para o uso correto das vagas especiais - e o bom senso sempre
deve ser levado em consideração. "O fiscal, quando encontra um veículo
sem credencial estacionado na vaga especial, primeiro aguarda alguns
minutos e verifica se o motorista não se encontra nas proximidades, para
orientá-lo como proceder. A prefeitura é muito cobrada por idosos e
pessoas com deficiência para que a fiscalização ocorra de maneira
rigorosa", afirma.
Mas Quadros promete recorrer e procurar
reparação. "Fui desmoralizado. É óbvio que sou deficiente e tenho que
ser isentado dessa multa. Eu nunca infrinjo a lei. Mas tocaram na minha
ferida. Não bastasse o que já sofri. Fiquei dez meses na cadeira de
rodas já podendo caminhar, mas o poder público não me dava as próteses",
conta, irritado.
Técnico em telecomunicações, ele sofreu um
acidente em 2011, quando fazia manutenção em uma rede, em cima de um
poste. Ele recebeu uma forte descarga elétrica, cuja corrente entrou
pelo seu braço direito, atravessou o corpo e saiu pelo pé do mesmo lado,
destruindo a perna. A esquerda ficou com sérias sequelas. No hospital, a
opção foi partir para a amputação dos dois membros na altura da metade
da tíbia (canela). Depois de muita fisioterapia e musculação, ele
reaprendeu a caminhar, agora com as próteses. Há um ano ele trabalha
como projetista de redes, emprego que lhe permite sustentar seus dois
filhos.