“Uma vez, quando eu tinha uns 9 anos, peguei
um ônibus lotado e percebi que um senhor estava esfregando as partes
dele na minha perna. Eu tentei me afastar, mas ele ficava se esfregando.
Quando desci, vi que minha perna estava molhada. Só anos depois entendi
o que era”. O caso da servente Anália Rodrigues, de 47 anos, mostra uma
situação que ainda é realidade no transporte público brasileiro, mas
que aos poucos está sendo combatida.
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O
metrô de Brasília já conta com um vagão exclusivo para mulheres,
conhecido como Vagão Rosa, e a maioria das usuárias disse se sentir mais
segura contra abusos sexuais (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
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No
Distrito Federal (DF), há nove meses as mulheres que pegam o metrô
contam com um vagão exclusivo para elas e também para pessoas com
deficiência. “É uma política afirmativa importante, mas não é o
desejável. O correto é a gente não ser importunada no metrô e nem no
ônibus. A gente tem o direito de ir e vir. Se nem isso as mulheres têm
mais, estamos com um problema sério”, avalia a secretária de
Enfrentamento à Violência, da Secretaria da Presidência da República,
Aparecida Gonçalves.
A iniciativa do DF foi criada pela Lei
Distrital 4.848 de 2012 e a operação teve início no dia 1º de julho de
2013. Funciona de segunda a sexta-feira, das 6h às 8h45 e das 16h45 às
20h15. As capitais São Paulo e Rio de Janeiro também contam com um vagão
para mulheres.
A professora Acsa Lima, de 21 anos, também disse
que existem alguns homens mal intencionados no transporte público.
“Comigo aconteceu uma vez. Eu estava em pé no ônibus, a princípio cheio,
as pessoas iam passando e como não tinha opção ele precisava encostar
em mim pra dar espaço. Mas conforme o ônibus foi esvaziando ele
continuou atrás de mim. Aí eu percebi que estava mal intencionado e
troquei de lugar.” A professora não usa o vagão para mulheres porque
diz que sempre vai muito apertado. “Tem muito mais homem que mulher
pegando o metrô. Eu vou no vagão comum, mas fico em um canto, mais
protegida”.
Para a assessora do Centro Feminista de Estudos e
Assessoria (Cfêmea), Leila Rebouças, deve haver uma mudança cultural
para que muitos homens parem de ver mulheres como um objeto. Ela avalia
que a criação do vagão é um paliativo. “A mudança definitiva só vem com a
educação”, ressalta.
Segundo estatísticas do DF, mais de 90% das
mulheres que sofrem abusos não denunciam. “Não denunciam por medo,
porque depois ela vai descer em um lugar escuro, não tem um sistema de
segurança adequado e podem sofrer mais violência”, explica Leila. Ela
frisa que é fundamental as mulheres denunciarem e também aconselha que
na hora do assédio a mulher procure chamar a atenção de quem está perto,
procurando de alguma forma constranger o sujeito que está cometendo o
abuso.
Já para Aparecida Gonçalves, as mulheres não denunciam por
vergonha. “As mulheres ficam com vergonha, achando que são culpadas.
Não são culpadas e têm que saber disso. Elas têm que denunciar. Temos
que trabalhar o comportamento da sociedade brasileira”, frisou,
acrescentando que o número 180 recebe todos os tipos de denúncia de
violência contra mulher.
A titular da Secretaria da Mulher do DF,
Olgamir Amância, diz que o vagão rosa é uma forma de chamar a atenção
para o problema. “Ele desperta a atenção da população. Mas certamente,
como somos a maioria, um vagão não é o suficiente”