A Justiça de São Paulo realizou audiências de custódia sem a presença
das pessoas presas em flagrante, o que contraria a Convenção Americana
de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil. A revelação foi feita por
um estudo da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, a que o UOL teve acesso.
Das 393 audiências acompanhadas presencialmente pela pesquisa entre
julho e novembro de 2015, três foram fantasmas. Vídeos, como o que abre
esta reportagem, comprovam o problema, já que todas as audiências são
gravadas pelo Tribunal de Justiça. A Conectas obteve autorização do
Poder Judiciário para analisar o vídeo exibido acima.
Nas
audiências de custódia, o juiz analisa a legalidade da prisão, decide se
ela dever ser mantida ou não e verifica se o detido foi vítima de
violência. Se não está presente, o detido não pode dar sua versão sobre a
prisão em flagrante nem denunciar eventuais violências sofridas.
A Convenção Americana de Direitos Humanos determina que "toda pessoa
detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz
ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e
tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em
liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo".
"Chocados com as audiências fantasmas"
Nos três casos revelados pela pesquisa, o preso estava hospitalizado.
Nessas circunstâncias, a audiência é realizada sem que o próprio
defensor tenha contato prévio com o detido.
Segundo Rafael
Custódio, advogado e coordenador do programa de Justiça da Conectas, é
necessário que os órgãos de Justiça tenham conhecimento do estado de
saúde do preso e que a audiência aconteça depois da alta hospitalar.
"Ficamos chocados com as audiências fantasmas. É obrigatória a presença
física do preso diante do juiz. Permitir esse ato sem a pessoa estar
presente é uma completa irracionalidade", frisou. Há o risco, segundo o
coordenador da Conectas, de que a internação seja consequência de
tortura e maus-tratos sofridos pelo preso.
Casos excepcionais ou frequentes?
Coordenador das audiências de custódia realizadas pelo Tribunal de
Justiça na capital paulista, o juiz Antonio Maria Patiño Zorz afirmou
que os casos de audiências fantasmas são "irrisórios e excepcionais".
O magistrado também recordou que a pesquisa da Conectas foi realizada
antes de o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinar, em dezembro de
2015, a realização da audiência no local onde o preso está internado ou
depois de restabelecida sua condição de saúde. A normatização que
vigorava antes em São Paulo, um provimento do Tribunal de Justiça,
previa a possibilidade de audiência a acontecer sem o preso.
O
defensor público Bruno Shimizu, que atua em São Paulo, disse, no
entanto, que audiências fantasmas continuam acontecendo com frequência.
"É bem comum ter três, quatro audiências fantasmas por semana." Nestes
casos, os defensores costumam pedir a liberdade do preso ou a prisão
domiciliar. Mas, se a prisão preventiva é determinada, Shimizu entende
que ela pode ser anulada.
O juiz Zorz argumentou que em alguns
casos não é possível fazer audiências depois da alta hospitalar.
"Rapidamente, algum flagrante se transforma em acusação formal e
processo. Não tem cabimento fazer audiência de custódia posteriormente,
quando o processo já está com outro juiz."
Neste caso, afirmou
Zorz, nada impede que o magistrado responsável pelo processo analise
questionamentos da defesa relacionados à audiência de custódia.