segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Presídio em Minas adota novo modelo e consegue recuperar 60% dos presos

 

No lugar de rostos cobertos e facões brandindo ameaças de decapitações dos companheiros em rebeliões pelo país, em uma cadeia de Paracatu (MG), a 200 quilômetros de Brasília, os 114 presos manuseiam agulhas de crochê para fazer arte e estiletes para construir capelinhas ou abajours de madeira. Sem registro de rebelião ou motim nos 10 anos de funcionamento, o novo modelo de gestão prisional tem conseguido cerca de 60% de recuperação dos presos com penas de até 38 anos por homicídio, estupro, tráfico, roubo, estelionato ou associação criminosa. Baseada em três pilares — trabalho, religião e disciplina — na APAC Paracatu (Associação de Proteção e Assistência a Condenados), em um prédio moderno construído e mantido pelos próprios presos, sem policiais armados, os detentos são responsáveis pela segurança dos outros detentos e trabalham para garantir renda para ajudar a família ou cobrir pequenas despesas na prisão.
Lá, livres das trancas nas celas e dormitórios, independentemente da pena ou da barbaridade do crime cometido, os presos são chamados de “recuperandos”. Enquanto no sistema prisional convencional onde a situação é caótica cada preso custa ao estado cerca de R$ 4.500 por mês, um convênio com a Secretaria estadual de Defesa Social destina a cada preso da APAC apenas R$ 915.
Sem qualquer chance de ociosidade, trabalham de sol a sol nas oficinas de artesanato, padaria, cozinha, serralheria, marcenaria e estudam, fazem cursos profissionalizantes e, no horário de descanso, se juntam na quadra de esportes para tricotar, literalmente, e trocar ideias sobre a confecção de delicados caminhos de mesa, chapeuzinhos de bebê, tapetes e galinhas para guardar ovos na cozinha. Todos foram transferidos de presídios tradicionais onde já cumpriram parte da pena e tinham bom comportamento, um dos pré-requisitos. A autorização de ingresso é feita pelo juiz local, após pedido por escrito do detento, mediante assinatura de um termo em que se comprometem a seguir rígidas normas de disciplina.
— Os presos chegam aqui como bichos, de cabeça baixa e as mãos para trás. No portão a gente tira as algemas, a roupa laranja, levanta o queixo dele e fala: olha reto! Ele anda uma semana emborcado e olhando pra baixo, mas aos poucos vai voltando a andar como gente! Borracha e paulada na cabeça não deu conta de resolver. Esse método é um novo pacto — diz o diretor da APAC, Eurípedes Tobias.
A instituição prisional funciona em parceria com a Pastoral Carcerária e um grande número de voluntários de Paracatu. Há 14 funcionários contratados e os recuperandos se revezam em múltiplas tarefas e abatem, com o trabalho e o estudo, tempo de duração da pena. O prédio, com higiene e pintura impecáveis, foi construído em um terreno doado pela Igreja Católica. O estado repassou R$1,1 milhão, e a sociedade paracatuense doou outros R$700 mil, num total de R$1,8 milhão para um prédio que mais parece um hotel, com dois pavimentos, auditórios e consultório odontológico. Um sem número de recuperandos exibe sorrisos metálicos pelos aparelhos nos dentes.

 

 

 

  • Associação de Proteção e Assistência a Condenados (APAC) de Paracatu (MG) é modelo de gestão prisionalFoto: Michel Filho / Agência O Globo

  • Em 10 anos de funcionamento, a prisão que abriga 114 presos não tem registro de rebelião ou motim Foto: Michel Filho / Agência O Globo

  • Novo modelo tem conseguido cerca de 60% de recuperação dos presos Foto: Michel Filho / Agência O Globo

  • O local é mantido pelos próprios presos, sem policiais armadosFoto: Michel Filho / Agência O Globo

  • Os próprios detentos são responsáveis pela segurança do presídioFoto: Michel Filho / Agência O Globo

  • Livres das trancas nas celas e dormitórios, os presos são chamados de “recuperandos”Foto: Michel Filho / Agência O Globo

  • Os presos fazem trabalhos de crochê para garantir renda para ajudar a família ou cobrir pequenas despesas na prisãoFoto: Michel Filho / Agência O Globo

  • Na APAC Paracatu, cada preso custa apenas R$ 915 por mês, enquanto os estados costumam gastar em média R$ R$ 4.500 por detentoFoto: Michel Filho / Agência O Globo

  • E toda última sexta-feira do mês tem uma festa para comemorar os aniversariantes do mêsFoto: Michel Filho / Agência O Globo