No lugar de rostos cobertos e facões brandindo
ameaças de decapitações dos companheiros em rebeliões pelo país, em uma cadeia
de Paracatu (MG), a 200 quilômetros de Brasília, os 114 presos manuseiam
agulhas de crochê para fazer arte e estiletes para construir capelinhas ou
abajours de madeira. Sem registro de rebelião ou motim nos 10 anos de
funcionamento, o novo modelo de gestão prisional tem conseguido cerca de 60% de
recuperação dos presos com penas de até 38 anos por homicídio, estupro,
tráfico, roubo, estelionato ou associação criminosa. Baseada em três pilares —
trabalho, religião e disciplina — na APAC Paracatu (Associação de Proteção e
Assistência a Condenados), em um prédio moderno construído e mantido pelos próprios
presos, sem policiais armados, os detentos são responsáveis pela segurança dos
outros detentos e trabalham para garantir renda para ajudar a família ou cobrir
pequenas despesas na prisão.
Lá, livres das trancas nas celas e dormitórios,
independentemente da pena ou da barbaridade do crime cometido, os presos são
chamados de “recuperandos”. Enquanto no sistema prisional convencional onde a
situação é caótica cada preso custa ao estado cerca de R$ 4.500 por mês, um
convênio com a Secretaria estadual de Defesa Social destina a cada preso da
APAC apenas R$ 915.
Sem qualquer chance de ociosidade, trabalham de sol
a sol nas oficinas de artesanato, padaria, cozinha, serralheria, marcenaria e
estudam, fazem cursos profissionalizantes e, no horário de descanso, se juntam
na quadra de esportes para tricotar, literalmente, e trocar ideias sobre a
confecção de delicados caminhos de mesa, chapeuzinhos de bebê, tapetes e
galinhas para guardar ovos na cozinha. Todos foram transferidos de presídios
tradicionais onde já cumpriram parte da pena e tinham bom comportamento, um dos
pré-requisitos. A autorização de ingresso é feita pelo juiz local, após pedido
por escrito do detento, mediante assinatura de um termo em que se comprometem a
seguir rígidas normas de disciplina.
— Os presos chegam aqui como bichos, de cabeça
baixa e as mãos para trás. No portão a gente tira as algemas, a roupa laranja,
levanta o queixo dele e fala: olha reto! Ele anda uma semana emborcado e
olhando pra baixo, mas aos poucos vai voltando a andar como gente! Borracha e
paulada na cabeça não deu conta de resolver. Esse método é um novo pacto — diz
o diretor da APAC, Eurípedes Tobias.
A instituição prisional funciona em parceria com a
Pastoral Carcerária e um grande número de voluntários de Paracatu. Há 14
funcionários contratados e os recuperandos se revezam em múltiplas tarefas e
abatem, com o trabalho e o estudo, tempo de duração da pena. O prédio, com
higiene e pintura impecáveis, foi construído em um terreno doado pela Igreja
Católica. O estado repassou R$1,1 milhão, e a sociedade paracatuense doou
outros R$700 mil, num total de R$1,8 milhão para um prédio que mais parece um
hotel, com dois pavimentos, auditórios e consultório odontológico. Um sem
número de recuperandos exibe sorrisos metálicos pelos aparelhos nos dentes.