Nenhum candidato a papa pode ser completo. Mas os
cardeais que elegerão o próximo pontífice da Igreja Católica a partir
desta terça-feira parecem estar em busca de alguém que combine o carisma
do papa João Paulo 2ª com a determinação que um analista do Vaticano
chamou, com um pouco de ironia, do "papa Rambo 1º".
Embora seja muito cedo para falar dos candidatos, dicas
sobre as características procuradas em um pontífice podem ser captadas
pelas declarações dos cardeais que passaram a semana passada em reuniões
no Vaticano. Antes de quarta, quando pararam de dar entrevistas
, os cardeais frequentemente citavam atributos que a igreja precisa: um
comunicador convincente que conquiste almas por meio das palavras e de
seu comportamento santo e ao mesmo tempo seja um xerife destemido que
possa enfrentar a desordem e o escândalo no Vaticano.
Seu foco em comunicação e na boa governança é em muitos aspectos um reconhecimento das deficiências de Bento 16
, que partiu em um helicóptero para uma aposentadoria inesperada no dia 28
, depois de um complicado mandato de oito anos. Mas é também um sinal da
nostalgia por João Paulo 2º, uma presença magnética que comandou os
holofotes em viagens ao redor do mundo e até mesmo enquanto agonizava.
Sob o mandato de Bento 16, a Igreja perdeu influência na
Europa, nos EUA e até mesmo na América Latina. A burocracia central em
Roma, na Cúria, ficou ainda mais disfuncional e enfrentou até mesmo
corrupção. Cardeais de vários países comentaram na semana passada que
estavam seriamente preocupados com os recentes relatos na mídia italiana
sobre um dossiê secreto
dado a Bento antes de sua partida, que continha provas explosivas de
chantagem sexual e financeira. A documentação deve ser mostrada ao
próximo papa.
Poucos candidatos vêm com todos os talentos esperados, e
os meios de comunicação italianos até cogitaram a possibilidade de que
os cardeais considerem montar uma "dobradinha" que junte um papa
pastoral com um experiente secretário de Estado que poderia atuar como
um administrador e, se necessário, como alguém que faça cumprir a lei.
Artigo: P
Área das bênçãos é vista atrás de estátua de São Pedro na praça homônima no Vaticano (11/03)
O próximo pontífice pode não precisar reprimir as brigas e
delitos do Vaticano, mas deve ter pelo menos a inteligência
administrativa para nomear um vice suficientemente destemido para
enfrentar a entrincheirada burocracia do Vaticano.
"A primeira coisa que ele terá de fazer é colocar ordem
na administração central da Cúria", disse o cardeal Edward Egan,
arcebispo emérito de Nova York. "Ele tem de estar disposto a aceitar as
críticas."
E, ao mesmo tempo, "ele precisa ser um homem que entenda a
fé e pode anunciá-la de uma forma atraente e descomplicada", disse
Egan, que votou no conclave que elegeu Bento, mas agora está um pouco
além do limite de idade de voto de 80 anos.
Na quinta, todos os 115 cardeais com direito a voto haviam chegado a Roma
. Desde a semana passada, eles se reúnem a portas fechadas para ouvir
uns aos outros sobre os desafios enfrentados pela Igreja. Para aqueles
cujos nomes foram levantados como possíveis candidatos a papa, os
discursos servem em parte como audições.
ecimento teológico e ser fluente em italiano, a
língua do Vaticano e de Roma, que é, afinal, a diocese do papa.
Vários cardeais também disseram que o próximo papa deve
ter tido experiência como bispo de uma diocese. Essa descrição poderia
excluir alguns cardeais que serviram a maioria de seus anos na Cúria e
aqueles com pouca experiência pastoral, como o cardeal Gianfranco
Ravasi, o italiano erudito a quem Bento deu a honra de pregar no recente
retiro quaresmal do Vaticano.
O cardeal Donald Wuerl, arcebispo de Washington, disse:
"Ser um pastor de uma igreja local, acho, seria um fator muito
importante se há essa ideia de renovação espiritual da Igreja."
Vários cardeais também enfatizaram que um papa deve ser
capaz de aproximar-se de outras religiões, melhorar as relações com os
bispos de todo o mundo e apresentar a doutrina católica com rigor.
Muitos daqueles mencionados como possíveis candidatos
dizem ter talentos comprovados como administradores, seja em suas
arquidioceses, na Cúria ou em ambas. Entre esses estão os cardeais
Angelo Scola, arcebispo de Milão; Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São
Paulo; Peter Erdo, arcebispo de Esztergom-Budapeste e primaz da Hungria;
Leonardo Sandri, argentino com longa experiência na Cúria; e Marc
Ouellet, canadense que lidera a poderosa Congregação do Vaticano para os
Bispos.
Mas muitos desses têm pouco carisma. Erdo e Ouellet ficam
mais confortáveis lendo discursos preparados do que falando
espontaneamente diante de multidões ou em entrevistas.
Outros cardeais, entretanto, viram suas reputações
crescerem com sua capacidade de comunicar com as massas. Um deles é Luis
Antonio G. Tagle, das Filipinas. Mas sua idade, apenas 55 anos, não o
beneficia. Ele é o segundo cardeal mais novo atrás apenas de Baselios
Thottunkal, da Índia.
A idade é um critério importante, especialmente após a
renúncia de Bento 16, que tem 85 anos. Muitos cardeais concordam que o
futuro papa deveria estar na casa dos 60 anos. O cardeal Wilfrid F.
Napier, da África do Sul, sugeriu em uma entrevista que era hora de um
longo papado para levar a cabo os esforços para fortalecer a Igreja.
"Você precisa de mais tempo para construir sobre esses
alicerces", disse Napier. "Precisamos de um papado mais longo para
produzir energia e manter o ritmo." Ele acrescentou: "Percebi por meio
de conversas informais que alguns dos outros cardeais também estão
seguindo nessa direção."
No passado, teria sido impensável ter um sério candidato
papal dos EUA, mas os observadores do Vaticano dizem que, pela primeira
vez, há entusiasmo em relação a dois americanos que têm carisma e fortes
características administrativas: o cardeal Timothy Dolan, de Nova York,
e o cardeal Sean Patrick O'Malley, de Boston, um frade franciscano.
Apesar de ainda ser pouco provável que qualquer um deles
se torne papa, em grande parte porque os EUA ainda são vistos como uma
superpotência global cujos interesses nem sempre se encaixam
perfeitamente com os da Igreja Católica, esse conclave é o primeiro a
quebrar o tabu. "Pela primeira vez os americanos estão sendo seriamente
considerados, e isso é novidade", disse Marco Politi, um veterano
vaticanista na Itália.