O MPF (Ministério Público Federal) quer retirar das cédulas de reais a
expressão “Deus seja louvado”. A Procuradoria Regional dos Direitos do
Cidadão em São Paulo entrou, nesta segunda-feira (12/11), com um pedido
liminar na Justiça Federal para efetuar a mudança.
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A procuradoria argumenta que o Estado brasileiro é laico e, portanto,
deve estar completamente desvinculado de qualquer manifestação
religiosa. Para o MPF, a frase “Deus seja louvado” atenta contra os
princípios da igualdade e da não exclusão de minorias já que privilegia
uma religião em detrimento de outras.
“Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: ‘Alá seja
louvado’, ‘Buda seja louvado’, ‘Salve Oxossi’, ‘Salve Lord Ganesha’,
‘Deus não existe’. Com certeza, haveria agitação na sociedade brasileira
em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus”,
exemplifica o procurador Jefferson Aparecido Dias, autor da ação (clique aqui para ler a íntegra).
Para o procurador, o objetivo principal do pedido é proteger a
“liberdade religiosa de todos os cidadãos”. Embora Dias reconheça que a
maioria dos brasileiros professe religiões de origem cristã, ele lembra
que “o Brasil optou por ser um Estado laico” e, portanto, não pode tomar
partido de nenhuma religião.
No
ano passado, quando passaram a ser impressas as novas cédulas de reais,
o MPF recebeu uma representação questionando o porquê da permanência da
frase no novo modelo.
Durante a fase de inquérito, a Casa da Moeda – local onde o dinheiro é
impresso – informou que cabe exclusivamente ao Banco Central “não apenas
a emissão propriamente dita, como também a definição das
características técnicas e artísticas” das cédulas.
O Banco Central, por sua vez, lança mão da Constituição Federal para
justificar a presença da frase. Logo no preâmbulo da Carta Magna,
aprovada em 1988, constam os dizeres: “nós, representantes do povo
brasileiro, (...), promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
Constituição da República Federativa do Brasil”.
Tradição
Em nota técnica enviada ao MPF, o Ministério da Fazenda afirma que a
inclusão da expressão religiosa nas cédulas aconteceu em 1986, por
determinação direta do então presidente José Sarney. Posteriormente, em
1994, com o Plano Real, a frase foi mantida pelo ministro da Fazenda,
Fernando Henrique Cardoso, supostamente por ser “tradição da cédula
brasileira”.
“Não se pode admitir que a inclusão de qualquer frase nas cédulas
brasileiras se dê por ato discricionário”, afirma o. Para ele, a
legislação brasileira não autorizou o Conselho Monetário Nacional a
manifestar preferência por esta ou aquela religião.
Crucifixos
Em março, o TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) havia determinado a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos presentes nos espaços públicos dos prédios da Justiça gaúcha.
A decisão, inédita no país, havia sido tomada após requisição da Liga
Brasileira de Lésbicas. “É o único caminho que responde aos princípios
constitucionais republicanos de um Estado laico”, argumentara o relator
da matéria no TJ-RS, desembargador Cláudio Baldino Maciel.
[O dólar norte-americano também contém frase de cunho cristão: "In God we trust"; na tradução: "Em Deus nós confiamos"]
O procurador do MPF em São Paulo também abordou a questão dos
crucifixos em repartições públicas, na ação protocolada nesta segunda.
“Quando o Estado ostenta um símbolo religioso ou adota uma expressão
verbal em sua moeda, declara sua predileção pela religião que o símbolo
ou a frase representam, o que resulta na discriminação das demais
religiões professadas no Brasil”, argumentou.
Multa simbólica
A ação também pede que a Justiça Federal estipule multa diária de R$
1,00 caso a União não cumpra a decisão de retirar a expressão. A multa
teria mero caráter simbólico, “apenas para servir como uma espécie de
contador do desrespeito que poderá ser demonstrado pela ré, não só pela
decisão judicial, mas também pelas pessoas por ela beneficiadas”.
De acordo com o MPF, a liminar não vai aumentar os gastos dos cofres
públicos, já que a ação civil pública estipula um prazo de 120 dias para
que as novas cédulas comecem a sem impressas.