terça-feira, 28 de agosto de 2012

Espiritualidade e prostituição nos bordéis de Salvador pelas lentes de Oske



por Simone Melo
Espiritualidade e prostituição nos bordéis de Salvador pelas lentes de Oske
Foto: Tiago Melo / Bahia Notícias
Os olhos puxados, os cabelos pretos e lisos e a voz embargada não deixam negar a origem oriental do fotógrafo Oske, como gosta de ser chamado.

Japonês radicado no Brasil,  Hirosuke Kitamura hesita ao tentar explicar os caminhos que o conduziram há mais de dez anos à sua temática: o amor e o ódio nos bordéis de Salvador. "Não sei o que me levou até lá. Gosto de ver a passagem do tempo".

A montagem "Hidra", que esteve em Nova Iorque este ano, e agora está aberta a visitações na Fauna Galeria, em São Paulo, contempla 12 fotografias do submundo da prostituição em Salvador e imagens de uma viagem que Oske fez para a Índia. Em entrevista ao Bahia Notícias, ele contou que há uma relação entre as duas situações que se embasa na espiritualidade. "A Índia tem muito a ensinar sobre o transcorrer do tempo, que é o que eu busco".

Suas obras não se dirigem para ligações óbvias e imediatas, tudo é muito pessoal e subjetivo. Apesar do forte valor antropológico da sua temática - fotografias de mulheres na Ladeira da Conceição, em Salvador, onde diversas casas de prostituição estão abrigadas
em antigos casarões -, Kitamura não as define como documentais. "Eu sou um homem com uma câmera, fotografo o que vejo. Não é um trabalho documental. É algo subjetivo e indeterminado". Interessam a ele, principalmente, as contradições aviltadas nos bordéis, onde angústia, repulsa, sofrimento, amor e prazer participam do cotidiano de quem faz parte do lugar. Além disso, ele diz possuir afinidade com o ambiente "brega", suas cores e texturas. "Acho que eu gosto do cafona".
LUGAR EXÓTICO
A primeira vez que o japonês veio para o Brasil foi nos anos 90, em um intercâmbio pela faculdade. Na época, cursava Letras com Português. A identificação com a  cultura latina sempre foi muito presente em sua vida. Decidiu morar na Bahia pelo caráter exótico do lugar e pela proximidade com a cultura africana. "Eu tocava jazz, era trompetista. Queria aprender ritmos africanos". Além disso, optou por ficar longe de comunidades japonesas, como encontraria se tivesse mudado para São Paulo. "Queria me distanciar. Precisava de uma viagem verdadeira, em que eu não falasse em japonês".

Depois de concluir a graduação em 1993, voltou para Salvador. Trabalhou por alguns anos em um escritório local do governo do seu país e foi professor de japonês. Até que decidiu procurar uma especialização profissional na cidade e se viu diante de duas opções: cabeleireiro ou fotógrafo. Escolheu a segunda.

Fez um curso de fotografia e seguiu adiante, à procura de um estilo. Passou algum tempo envolvido em um projeto com lentes 35mm e imagens em formato quadrado. Parte desse ensaio foi exposto no Masp, em São Paulo. Daí surgiu o convite para levar o seu trabalho a Nova Iorque, onde "Hidra" foi vista pela público pela primeira vez.

BICHO DE SETE CABEÇAS
O nome da montagem é uma referência à Hidra de Lerna, figura da mitologia grega que tinha corpo de dragão e sete cabeças de serpente. Apesar de o titulo estabelecer uma relação com as faces dantescas da prostituição, a intenção de Oske não foi construir uma imagem espetacular, forçada ou monstruosa. O fotógrafo mergulhou na temática para expor um caminho espiritual, que faz parte de uma busca individual. Difícil de entender?! Então, ficou claro o verdadeiro objetivo de Oske, não ser direto ou explicativo; não denunciar nada. Mostrar o que percebe: as relações caóticas e nostálgicas do lugar; só "para sentir mais essa atmosfera".

Oske conta não ter tido muita dificuldade para fotografar dentro dos bordéis. Algumas vezes, foi obrigado a pagar pelo aluguel do quarto, enquanto fazia seu trabalho. Mas não teve problemas em estabelecer diálogo. "Com as mulheres não foi difícil. Acho que ser gringo ajuda nisso. Elas querem agradar".

Não há previsão para quando "Hidra" será exposta em Salvador. Em novembro, Kitamura participa da Bienal do Recôncavo, onde exibirá uma seleção das suas obras.